Marjane Satrapi, iraniana refugiada em França, conta em quadrinhos sua juventude marcada pela revolução e pela guerra no Irã, na série “Persépolis”, saga que milhões de cópias e foi traduzida para mais de cem idiomas. Satrapi recebeu esta semana o Prêmio Princesa das Astúrias de Comunicação e Humanidades, em Oviedo (Espanha). Este foi o discurso de agradecimento;
E agora, já que é disso que estamos falando, vamos falar da humanidade.
Entre o que os biólogos chamam de animais autênticos, ou seja, mamíferos, o homem é o único que mata a sua fêmea. E qualificamos esse ato como bestial, já que nenhum outro animal, fora de nós, o comete. Isso é humanidade.
Mas também há humanos que perdem a vida às mãos dos seus torturadores para proteger os seus semelhantes, não para os denunciar, e sei muito bem do que estou a falar. Isso também é chamado de humanidade.
Há os membros da orquestra que tocam uma sinfonia e nos dão a forma mais pura de beleza, e há aqueles que orquestram guerras e que, por cada cem litros de sangue derramado, recebem uma nova medalha.
E aplaudimos uns aos outros com o mesmo fervor.
Com isso quero lhe dizer que não tenho uma visão idealizada da humanidade e que eu, em mim, vivencio essa dualidade. Aceito tanto a minha violência como a minha benevolência, esperando sempre que esta prevaleça sobre a primeira.
Durante muito tempo acreditei que a chave para qualquer ser humano viver com dignidade, para que nunca sofresse brutalidade ou humilhação por causa do seu sexo, da sua etnia ou da sua cor, era a educação. Mas Goebbels não tinha doutorado em filosofia? O Dr. Mengele não fez o Juramento de Hipócrates?
Estaremos errados quando definimos educação? Talvez antes de educar os nossos filhos para terem sucesso económico e social, devêssemos ensinar-lhes que o verdadeiro sucesso reside acima de tudo no humanismo.
Que o que permitiu ao homem colocar-se acima de todos os seres vivos foi ele ter criado sociedades; e uma sociedade só existe porque - ao contrário de um animal que está condenado a morrer quando quebra uma perna - nós cuidamos dos nossos semelhantes. Nós os carregamos em nossos ombros e os colocamos em segurança.
O homem sozinho não sobrevive na natureza. Só sobrevive juntando-se a outros e criando sociedades. E a condição sine qua non para conseguir isso é a empatia.
Talvez na educação, em vez de ensinarmos os nossos filhos a aprender tudo de cor e a recitar como papagaios, devêssemos ensinar-lhes ética, civilidade e, acima de tudo, compaixão e bondade. E garanto que não sou daqueles que dão a outra face. Por um tapa recebido eu devolveria dez, mas procuro nunca ser aquele que acerta o primeiro.
E, por fim, lerei para vocês um poema de Saadi, um grande poeta iraniano do século XIII:
O ser humano faz parte do mesmo corpo,e tem a mesma origem.Quando a vida causa dor a um membroos outros não descansam.Você que é indiferente ao sofrimento dos outros,Você não merece ser chamado humano.
Obrigado por me ouvir e à humanidade em sua totalidade.
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