sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Homenzinhos patéticos que fazem guerras

Vivemos num momento de suprema vergonha para o que normalmente é chamado de “humanidade”. A continuação sem qualquer barreira real do massacre do Governo israelita de Benjamin Netanyahu sobre a população de Gaza expõe a falência das instituições criadas para o mundo pós-Segunda Guerra Mundial. A guerra que a Rússia de Vladimir Putin trava contra a Ucrânia é uma brutalidade que parece ter sido assimilada como normalidade, o que a torna uma brutalidade ainda maior. Mais de metade da população do Sudão necessita de ajuda humanitária devido à guerra civil, mas esta e outras guerras no continente africano são invisíveis nas notícias diárias, apesar de pessoas violarem, torturarem e matarem todos os dias. Ainda assim, é um território familiar, já que a capacidade aparentemente infinita de infligir dor conta em grande parte na jornada humana. O território desconhecido é outro. E tem uma sigla desconhecida: AMOC, Atlantic Southern Overturning Circulation em inglês.

Os nomes que os cientistas dão não ajudam na tarefa urgente de levar o conhecimento onde ele precisa estar, mas é importante saber que a AMOC é um conjunto vital de correntes do oceano Atlântico que transporta águas superficiais quentes do hemisfério sul e as distribui no extremo norte, bem como águas profundas e frias do Norte para distribuí-las no Sul. O sistema natural espalha energia por todo o planeta e modula o aquecimento global, evitando que partes do hemisfério sul sobreaqueçam e que partes do hemisfério norte fiquem insuportavelmente frias. Ao mesmo tempo, espalha nutrientes que sustentam a vida nos ecossistemas marinhos.


Afetada pelo aumento da temperatura dos oceanos e pela diminuição da salinidade causada pelas alterações climáticas, estudos científicos recentes sugerem que a AMOC está em colapso. Ainda existem lacunas na investigação, mas a cada novo estudo, o que era apenas uma possibilidade há alguns anos parece provável mesmo neste século. Um destes trabalhos sugere que isso poderá acontecer antes de 2050, e mesmo no final da década de 2030. Cada vez mais, “se acontecer” está a tornar-se “quando acontecerá”. E quando isso acontecer, algumas partes do planeta ficarão completamente irreconhecíveis.

É mais uma variável aterrorizante num planeta que até junho viveu 13 meses consecutivos de temperaturas recordes. Mas mesmo com este panorama, as empresas de combustíveis fósseis, carne, soja, óleo de palma, agroquímicos e minerais continuam a produzir o colapso climático com a cumplicidade de governos e parlamentos. Mesmo com 12 meses em que a temperatura média global esteve 1,64 graus Celsius acima da média pré-industrial, homenzinhos como Netanyahu e Putin travam guerras. Mesmo com um julho com os três dias mais quentes da história, ditadores de esquerda como Nicolás Maduro e Daniel Ortega corrompem a democracia e a extrema direita avança atualizando o fascismo, com Donald Trump no comando.

Alguns homens jogam a guerra sem se aperceberem que nos próximos anos ou décadas poderá já não haver território pelo qual lutar, porque ou foi engolido pelos oceanos ou porque a vida humana se tornou muito difícil ou mesmo impossível. Nunca esteve tão claro que o narcisismo é o irmão siamês da ignorância e quão letal pode ser. Ou começamos a agir politicamente muito rapidamente, participando ativamente nas decisões, fortalecendo a democracia e restaurando o bem comum, apoiando e colocando no poder pessoas capazes de enfrentar os produtores do colapso climático e de produzir adaptação, ou continuaremos reféns destas patéticas homenzinhos e sua compulsão de exterminar, incapazes de ver um mundo além dos fiapos de seu umbigo.
Eliane Brum

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