segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Emenda impositiva é corpo estranho no nosso sistema político

O ministro do STF Flávio Dino sustou a execução das emendas impositivas até que "os Poderes Legislativo e Executivo, em diálogo institucional, regulem os novos procedimentos conforme a presente decisão".

Os princípios da execução das emendas impositivas são, segundo o despacho do ministro:

"a) existência e apresentação prévia de plano de trabalho, a ser aprovado pela autoridade administrativa competente, verificando a compatibilidade do objeto com a finalidade da ação orçamentária, a consonância do objeto com o programa do órgão executor, a proporcionalidade do valor indicado e do cronograma de execução;

b) compatibilidade com a lei de diretrizes orçamentárias e com o plano plurianual;

c) efetiva entrega de bens e serviços à sociedade, com eficiência, conforme planejamento e demonstração objetiva, implicando um poder-dever da autoridade administrativa acerca da análise de mérito;

d) cumprimento de regras de transparência e rastreabilidade que permitam o controle social do gasto público, com a identificação de origem exata da emenda parlamentar e destino das verbas, da fase inicial de votação até a execução do orçamento;

e) Obediência a todos os dispositivos constitucionais e legais que estabeleçam metas fiscais ou limites de despesas".

O despacho do ministro é claríssimo e é difícil imaginar que algum agente público seja contra esses princípios.


Como escrevi em 2013: "A adoção do Orçamento impositivo será negativa para a qualidade da gestão política de nosso presidencialismo de coalizão, que tem a característica de ser fragmentado.

Em nosso presidencialismo com voto proporcional em grandes distritos (São Paulo, por exemplo, é um distrito com 70 cadeiras), há fortíssima fragmentação política e enorme capacidade de representação de minorias. No sistema distrital americano, uma minoria que represente 10% da população, espalhada no território, não terá assento na Câmara. No Brasil, terá 10% dos assentos.

Essa característica faz com que nosso Legislativo defenda pautas de partes da sociedade. Quem defende o interesse agregado é o Executivo. Isso porque o Executivo é o Poder cobrado e visto como responsável pelo desempenho da economia. Os deputados e, em menor escala, os senadores defendem agendas particulares, apesar de geralmente legítimas.

A compatibilização entre os interesses particulares e o resultado agregado —e, portanto, o interesse comum— é arbitrada pelo Executivo, que precisa de instrumentos para fazer com que a banda toque afinada. Grosso modo, o Executivo tem dois instrumentos de gestão: a distribuição de ministérios e cargos em estatais e a liberalização das emendas parlamentares.

A negociação de liberação de emendas parlamentares em troca de votações de projetos que atendam ao interesse agregado é um legítimo instrumento de gestão da base de apoio do Executivo".

A adoção por aqui do orçamento impositivo se explica por um certo vira-latismo, que considera que as instituições políticas norte-americanas são necessariamente superiores às nossas, e pelo oportunismo do Legislativo, que, em um longo período de presidentes fracos, avançou sobre atribuições que são logicamente do Executivo.

Apesar de o desenho institucional político brasileiro ser funcional —veja minha resenha do livro recém-publicado "Por que a Democracia não Morreu"—, nosso sistema político tem limitações. Uma delas é depender muito da qualidade da liderança.

Quando elegemos seguidamente presidentes com pouco apetite para a lida diária da política —Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro—, abriu-se um vácuo que foi ocupado pelo Congresso.

Oxalá o presidente Lula em negociação com o Congresso consiga reverter ao menos parte da piora institucional ocorrida na última década.

Nenhum comentário:

Postar um comentário