Capítulos dessa história, impregnada de usurpação e açoite, dizem que o Brasil Colonial formou uma dívida com o negro e o indígena que de tão grande nas léguas da desgraça tornou-se impagável.
Em algumas paragens desse Brasil continental, pisado pelo colonizador ávido, chegou-se ao ponto de terem desaparecido populações indígenas que viviam em perfeito entendimento com a natureza, tirando dela apenas o necessário para a sobrevivência.
Às vezes, escuto vozes que rolam dos longes nesses rastros da desgraça. Como acreditar? Houve uma mancha que envergonha. A fuga em desespero tingiu a manhã do horror na taba queimada. Por entre as sombras do que é perverso e não se apaga, remorso não existiu dos que feriram os hábitos da inocência irmanados com o verdor da mata, dizimaram a aldeia, forjaram a chacina, denominando as cenas insanas de façanhas.
Quem saberá quantos ventos na fuga de uma gente sem rumo entoaram lamentos de uma triste música? Gemidos produzidos nas entranhas da selva impenetrável? Como se nada de horror acontecesse num mundo que amanhecia cheio de passaradas, brilhos e fragrâncias.
Pasmem os céus, até hoje sentimentos que escorrem em dó e lágrima ressurgem desses rastros que machucam. Tive conhecimento que a virgindade de meninas indígenas vale pouco, muito pouco na cidade de São Mateus, que fica nos confins do braço norte do território do Japará. Lá um homem branco compra a virgindade de uma menina indígena também com aparelho celular, peça de roupa de marca e com uma caixa de bombom.
As mães das vítimas pediram à polícia há um ano para apurar o caso. Nenhum suspeito foi preso até agora.
Doze meninas já prestaram depoimento. Elas relataram que foram exploradas sexualmente e indicaram nove homens como os autores do crime. Entre eles, há comerciantes locais, um ex-vereador, um médico chamado Pedro de Deus, um farmacêutico, dois sargentos e um açougueiro.
As vítimas vivem na periferia de São Mateus do Japará, município de baixa renda, que vive das atividades agrícolas, com base em lavouras primárias, de pouca duração, nas estações temperadas de sol e chuva. São Mateus do Japará tem quase cem por cento da população formada por gente indígena. Calcula-se que a população seja de quinze mil pessoas.
Entre as meninas exploradas, há as que foram ameaçadas pelos suspeitos. Algumas foram obrigadas a se mudar para casa de familiares, na esperança de ficarem seguras. O repórter da revista “O Planeta” ficou interessado pelo caso logo que tomou conhecimento.
Conversou com algumas dessas meninas. Criou inicial fictícia para cada uma delas, querendo com isso dificultar a identificação.
B, de 12 anos, conta que vendeu a virgindade para um vereador. O acerto, afirmou, ocorreu por meio de uma prima dela, que é também adolescente.
“Ele me levou para o quarto e tirou minha roupa. Foi a primeira vez, fiquei depois sem saber o que fazer.”
A menina informou que uma amiga dela esteve duas vezes com um comerciante.
“Na primeira vez, ela também foi obrigada. Ele deu um celular.”
Já L, de 11 anos, disse que ela e outras meninas ganharam chocolates, dinheiro e roupa de marca em troca da virgindade. Como aconteceu com as outras na primeira vez, ela foi também obrigada. Recebeu trinta reais e uma caixa de chocolates.
Outra menina, S, de 13 anos, disse que presenciou encontros de sete homens com meninas de até dez anos.
“Eu vi meninas passando aquela situação, sem poder fazer nada.” Comentou que eles sempre dão dinheiro em troca disso (da virgindade).
Ela aceitou falar ao repórter porque já tinha denunciado tudo à polícia federal. Sabia que o pior podia acontecer, mas não tinha medo de nada.
“O homem que me usou primeiro falou que se continuasse denunciando eu iria junto com ele pra cadeia.”
A mãe de S disse que, se ela abrir a boca, o homem que tirou a virgindade da filha vai mandar matar ela.
Não é difícil imaginar que a menina S tinha os olhos sumidos no rosto sem brilho, durante a entrevista que deu ao repórter de “O Planeta”.
Quase não saiu o que disse no final:
“Na primeira vez senti as coxas doloridas. A boca com um gosto de coisa ruim. Depois fiquei triste”.
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