Os rios gaúchos nem bem baixaram a níveis toleráveis, ainda existem desaparecidos tragados pelas águas, mas a tragédia climática, até hoje a maior em grandes metrópoles brasileiras, não ocupa os discursos dos candidatos. Desculpe, eles não sabem o que fazem. Mais fácil é proibir livros (que não leram) nas escolas ou exibir fotos de suspeitos (pretos e pobres) mortos à queima-roupa. Como outra distração, vale também querer explorar petróleo em região de recifes de corais na Foz do Amazonas.
A pandemia escancarou a precariedade dos centros urbanos, embora há muito fosse conhecida por seus moradores. A mudança climática, o oportunismo político das más administrações, as oscilações demográficas, as novas matrizes dos meios de produção, enfim, causas do progresso e de seus malefícios (os benefícios aqui não vêm ao caso) não serão resolvidas no gogó da polarização. Demandam raciocínio, lógica e conhecimento. E escolhas sobre as quais a população merece ser consultada.
Além das falhas técnicas, a tragédia gaúcha traz componentes políticos. Que estão presentes noutras cidades, principalmente no Rio e em São Paulo. Inundações, desabamentos, soterramentos — é um cardápio conhecido nas manchetes anuais ao longo de todas as estações do ano. As construções (ou ocupações) em áreas de riscos naturais são um padrão tolerado em nome da falta de habitação nos grandes centros. É um problema social causado pela inação das administrações e seus políticos de plantão. À equação podem ser acrescentadas as casas dependuradas nas encostas. Primeiro se invade, logo depois um vereador obtém a legalização da área, a despeito de a nova população correr risco de vida e ajudar a poluir as águas (porque ali não há coleta de esgoto, como ocorre, aliás, com 44,5% dos brasileiros). Antes um problema de moradia, agora também uma questão de saúde.
A política tirou do vocabulário a ideia de reforma agrária. Mas a reforma urbana jamais entrou na plataforma das administrações. Preferem-se prédios desocupados por décadas em áreas centrais a seu uso como moradia popular, algo que é política pública em metrópoles de países capitalistas desenvolvidos.
Os erros ou acertos urbanos jamais são considerados pelos prefeitos e pelos despreparados vereadores. Nos três últimos anos, São Paulo passa por um frêmito de construção de imensos prédios, a partir da reformulação de seu Plano Diretor. Como justificativa, a necessidade de adensamento próximo às estações de metrô. A vista grossa oportunista não coloca no cálculo do progresso o aquecimento da cidade, algo que ocorre também pela falta de circulação de ar e pelos edifícios altos e espelhados que rebatem o sol. Interessante que Nova York debateu semelhante problema cem anos atrás, quando da reformulação da Park Avenue — e seus legisladores ofereceram soluções. (Não tratarei aqui novamente das sombras à beira-mar de Camboriú, a meca do bolsonarismo, causadas pelos gênios de sempre).
Entre vários outros problemas (como as cracolândias), as plataformas dos candidatos poderiam se ater às questões trazidas pela longevidade da população. Nem falarei das creches, porque isso já foi resolvido por nossos estadistas. O tempo passou para aquelas crianças que não foram atendidas na infância. Quem sabe na velhice… Pense em envelhecer em São Paulo ou no Rio. De cara, as calçadas, onde centenas de pessoas são tragadas diariamente por suas crateras. Depois as bicicletas dos deliveries que disputam espaço. Por educação ideológica não se deve falar dos motoboys que avançam as faixas em cima dos pedestres (talvez seja uma luta de classes motorizada).
Países como Suécia ou Japão já estabelecem políticas públicas diante do rápido envelhecimento da população. Questões como moradia, centros de amparo, pisos seguros, rampas, entre outras, estão no cardápio. Anos atrás, os ingleses criaram o Ministério da Solidão. Sem ser cínico, não sei o que os candidatos a prefeito pensam sobre o tema. Me parece algo muito delicado para perguntar na frente das crianças.
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