Isso porque no mesmo dia em que os principais nomes da extrema direita mundial reuniram-se na Espanha para reforçar, entre outras pautas, o negacionismo climático, os brasileiros - do outro lado do Atlântico - assistiam, estarrecidos, à fúria das águas arrastando carros, móveis, pessoas, animais, sobre cidades inundadas, um cenário de guerra, uma atmosfera de desespero e desalento. Tão longe, e tão perto.
Os dados mais recentes mostram que morreram 157 pessoas e quase 1 milhão de pessoas estão há quase um mês em abrigos públicos, ou na casa de parentes ou amigos. Mas é espantoso que o desastre tenha precedentes recentes, e nenhum governante tenha feito a lição de casa.
Se o Guaíba superou o nível de 5 metros, nas enchentes provocadas pelas chuvas de novembro (há seis meses), o lago/rio já havia acionado o alarme ao bater o recorde de ultrapassar 3 metros - o que não ocorria desde as cheias de 1941. Alguns dos municípios mais afetados neste mês, como Porto Alegre, Canoas e Eldorado do Sul, haviam sido inundados nas chuvas de novembro, embora não na mesma proporção.
A crise climática evidencia-se num cenário em que, enquanto as tempestades devastavam cidades no Rio Grande do Sul em novembro, uma onda de calor, com termômetros marcando 46o C, alastrava-se pelo restante do país. O próprio Rio Grande do Sul, antes de se ver debaixo d’água, amargou uma das estiagens mais severas nos três anos que antecederam as atuais enchentes.
São fatos que desafiam os negacionistas, como o presidente da Argentina, Javier Milei, chamado no comício do Vox de “estrela brilhante”. No país de Lionel Messi, a crise climática também deu sinais de alerta. As temperaturas alcançaram os 46º C, enquanto o volume de água de rios alimentados pela neve da Cordilheira dos Andes está diminuindo. E um inimigo antes reservado ao Brasil e ao Paraguai agora ameaça os argentinos: a dengue, que se manifesta nas altas temperaturas, como nos verões brasileiros.
Milei, entretanto, é um político que chamou o aquecimento global de “marxismo cultural”, fechou o Ministério do Meio Ambiente e resiste a vacinar a população contra a dengue.
Na mesma sintonia, o presidente do Vox, Santiago Abascal, acusa os socialistas de estarem sob ordens dos "ecologistas radicais" e fala em "religião climática".
E, recentemente, o ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou nas redes sociais que "problematização climática é desinformação".
No ato em Madri, Milei exortou a direita europeia a se unir contra o socialismo, e pediu votos para o Vox nas eleições para o parlamento europeu em 9 de junho. Os partidos ultraconservadores vivem uma onda de expansão. Em março, o partido Chega, de Portugal, do líder extremista André Ventura, cresceu de 12 cadeiras para 50 vagas no Congresso.
Nos últimos dois anos, a ultradireita passou a governar, ou integrar coalizões de governo, na Itália, Grécia, Suécia e Finlândia. França e Alemanha estão ameaçadas. Donald Trump pode retornar à Casa Branca, e o bolsonarismo segue com musculatura no Brasil.
A união da ultradireita é estratégica, e busca seguir um modelo implementado pela esquerda e centro-esquerda europeia na última década, mas que perdeu fôlego nos últimos anos. Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a prisão, ele fez um périplo internacional, e foi recepcionado pelas principais lideranças da centro-esquerda europeia, cujos partidos mantêm a aliança histórica com o PT. Em novembro de 2021, Lula nem era pré-candidato, e foi recebido pelo presidente da França, Emanuel Macron, pelo primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, pelo futuro chanceler da Alemanha, Olaf Scholz (que era ministro de Finanças na ocasião), e discursou no Parlamento Europeu em Bruxelas, em evento promovido por congressistas do bloco social democrata, de centro-esquerda. Na contramão do negacionismo climático dos ultraconservadores, Lula defendeu a preservação do meio ambiente e a redução da desigualdade econômica.
A preocupação de cientistas atentos às mudanças climáticas é com o aumento da frequência e da duração desses episódios extremos. E como se não bastassem os alertas dos dados científicos para o agravamento desse quadro, os cientistas ainda são vítimas de desinformação nas redes sociais, onde são agredidos e achincalhados.
Mas há reações. Em fevereiro, o cientista americano e professor da Universidade da Pensilvânia Michael Mann venceu uma batalha judicial que se prolongava havia 12 anos contra blogueiros que o difamaram nas redes sociais. Segundo a revista “Nature”, um tribunal americano fixou contra os difamadores uma indenização por danos morais ao cientista no valor de US$ 1 milhão.
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