Teremos que voltar aos tempos dos jornais que só publicavam notícias boas e que acabavam fracassando? Também não é isso, mas talvez seja verdade que especialmente com a chegada das redes sociais e das novas tecnologias de divulgação de notícias, essa coceira inata pelo catastrófico, pelo negativo versus o negativo, está se tornando mais aguda, e às vezes até cientificamente positiva.. Quanto mais sangue, melhor. Quanto mais trágica a notícia, mais ela vende.
Porém, talvez estejamos equivocados ao acreditar que boas notícias, notícias que expandem a alma, exemplos de melhoria, desejos de paz e justiça, não vendem mais. Isto começa a parecer verdade, pois os grandes jornais, que estavam a ser contaminados pelas redes sociais com a sua truculência quotidiana, começam a regressar a uma informação positiva, luminosa, cultural, que oferece esperança. As pessoas começam a se cansar de tanta violência e novas doenças psicológicas crescem de forma assustadora.
Há alguns dias, a notícia do menino de 17 anos que matou o pai, a mãe e a irmã com a arma do pai, sem arrependimento, chocou o Brasil. Além de confessar o crime, disse impassivelmente à polícia que o repetiria se pudesse. Sim, mais um crime, mas a maior parte das informações tratava de detalhes sobre o ocorrido, sem se aprofundar nas possíveis motivações. Apenas um jornal lembrou que o menino havia sido “adotado”, sem aprofundar as reais causas.
E esse é um dos perigos da informação nestes tempos em que certos tipos de violência se multiplicam e os meios de comunicação não conseguem escondê-la. O que falta na maioria das vezes é uma análise que aprofunde as verdadeiras razões deste aumento da violência, seja familiar ou social, especialmente entre os adolescentes e que atinge tão fortemente as mulheres. E seja verdade ou não que principalmente entre os adolescentes, a principal causa da violência são os celulares que facilitam seu acesso a jogos e cenas de violência.
Segundo psicólogos e psiquiatras, o que pode estar falhando, porém, é a falta de diálogo nas escolas e faculdades entre educadores e familiares para uma melhor compreensão do aumento da violência entre os jovens. Pouco adianta dar a conhecer os factos sem tentar aprofundar as suas causas, sabendo que estamos num momento histórico de transição. Não sabemos ao certo onde e para quê, mas é inegável que o homo sapiens se vê assediado pela velocidade da transformação da vida social e pessoal. Basta pensar na confirmação dos novos gurus da inteligência artificial (IA) que imaginam máquinas que superam intelectualmente os humanos.
O que talvez nos falte a todos nesta mudança de época que ainda não sabemos onde nos poderá levar é a capacidade de compreender as diferenças, os problemas e os riscos a que a nova geração que ainda não viveu os horrores de uma guerra mundial, mas que tem de suportar, sem ajuda, a nova e imparável revolução digital com todos os seus prós e contras.
Assim como as guerras mundiais do passado deixaram abertas durante anos as feridas do corpo e da alma sofridas nos campos de batalha, é possível que as novas guerras tecnológicas, que também poderiam ser tão desastrosas quanto as guerras convencionais, deixem feridas abertas e difíceis de tratar.
Esta pequena reflexão sobre o aumento da violência entre os adolescentes impulsionado pelas novas guerras tecnológicas que por vezes perturbam o equilíbrio físico e, sobretudo, psicológico dos jovens – que é tão difícil para nós analisarmos – fez-me recordar a triste história de um jornalista colega quando, antes da fundação deste jornal, trabalhei na secção cultural da RAI, a poderosa televisão italiana.
Fui incumbido de preparar uma série de reportagens sobre “a solidão do homem moderno”, desde a do empresário de sucesso até a da prostituta que escondeu a sua profissão da família. Na equipe de seis pessoas que viajou pela Itália em busca de experiências de solidão para filmar, havia um jornalista mais velho encarregado de organizar as viagens. No primeiro dia em Milão, na hora do almoço num restaurante, ele me perguntou se poderia comer sozinho em uma mesa separada. Ele era extremamente tímido e parecia esconder algum problema íntimo e indescritível.
Ao longo dos 10 dias de viagem, ele continuou comendo em uma mesa só para ele. De volta a Roma, perguntei ao meu diretor na época se aquele colega tinha algum problema especial. Ele me disse que não sabia, mas que, por exemplo, nunca conversavam com a filha única com quem ele morava em casa, apenas por telefone quando ele vinha à emissora de televisão.
Eu não me acomodei. Ele era um companheiro magnífico e prestativo. Um dia perguntei-lhe, sem rodeios, mas delicadamente, por que ele queria ficar sozinho. Ele confiou em mim e contou-me a sua história: era, embora ninguém soubesse, um sobrevivente do campo nazi de Auschwitz, do qual conseguiu escapar. Ele me contou que uma das coisas que mais o horrorizou no campo de concentração era estar sempre junto, sem um minuto de solidão ou para se aliviar, e que desde então não podia estar acompanhado. Sua felicidade era a solidão. Conseguimos abrir um diálogo e até conheci a filha dele, com quem ele só falava por telefone.
Essa lembrança ao mesmo tempo terna e terrível vem à mente cada vez que uma nova onda de violência assola o mundo dos adolescentes, que se mutilam ou se suicidam sem que nos preocupemos muito em saber o porquê. Sem este trabalho que deveria ser multicultural, continuaremos a denunciar todos os dias as tragédias sangrentas perpetradas por jovens, incapazes de compreender as dobras feridas da sua alma. E aí temos uma responsabilidade, nós que exercemos a função de informar a sociedade e de analisar porque é que este rio de jovens, hoje, em todo o mundo, parece sofrer frequentemente os açoites da incompreensão daquilo que ferve nas suas almas feridas mesmo em flor.
Juan Arias
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