terça-feira, 5 de abril de 2022

O momento mais perigoso

Ao fim de cinco semanas de combates, a guerra iniciada pela invasão russa da Ucrânia chegou a um ponto frágil e crítico. Estamos no momento em que tanto pode ser plausível alcançar-se um acordo de cessar-fogo, e com isso evitar mais sofrimento entre civis, como também se pode perder essa oportunidade e o conflito escalar para outro patamar, saltar fronteiras e assumir proporções que, até há pouco tempo, considerávamos impensáveis.

Começa a ser evidente que já ninguém tem grande interesse em continuar a guerra exatamente como ela está, com as peças mais ou menos imóveis no tabuleiro e sem se registar alterações significativas no controlo territorial ou outros desenvolvimentos militares importantes.

Na Rússia, Vladimir Putin dá sinais de já ter percebido que não vai concretizar a sua promessa de uma vitória categórica e rápida, e também parece ter perdido toda e qualquer ilusão quanto à possibilidade de conseguir ocupar militarmente um país com a dimensão da Ucrânia, com uma área superior à de França. Daí o contentar-se, a partir de agora, apenas com a região do Donbass, acrescentando-a à Crimeia, esquecendo as outras reivindicações proferidas com ar ameaçador e firme na madrugada de 24 de fevereiro.


Na Ucrânia, apesar da resistência heroica e obstinada do seu povo, Volodymyr Zelensky já assume que a atual situação não é sustentável, durante muito mais tempo, e que é preciso encontrar uma solução que evite que o país continue a ser destruído, todos os dias. Por isso, como confidenciou à revista The Economist, a “vitória”, para ele, passou a ser “salvar o maior número de vidas possível”, admitindo até perder partes do território.

Finalmente, esta é também a guerra cuja continuação não interessa ao resto do mundo, já que está a tornar a recuperação económica mais difícil, após dois anos de pandemia, ao erguer mais obstáculos às cadeias de distribuição em que assentou a globalização nas últimas décadas, fazendo, com isso, aumentar os preços dos bens de consumo, criando maior incerteza e até agudizando a fome nas regiões mais desfavorecidas do planeta.

É nestes momentos, em que tudo parece conjugar-se para que possa ser encontrada uma saída aceitável para todos, que é preciso ter maiores cautelas. Na frente diplomática, o “mínimo” exigível passou a ser o “máximo” possível: nervos de aço, bom conhecimento sobre os pontos fortes e fracos dos interlocutores, capacidade de se negociar cedências mútuas, objetivos absolutamente definidos e, acima de tudo, uso adequado de cada palavra por parte dos intervenientes principais.

Nesta altura, uma frase fora do contexto ou uma palavra sem o tom adequado podem ter o efeito destruidor de uma bomba e dinamitarem, por si só, os esforços diplomáticos em que têm estado envolvidos os líderes de vários países – nomeadamente os da Turquia e de Israel, sempre hábeis a caminhar por entre linhas estreitas e ténues, como verdadeiros equilibristas da geopolítica. Por isso, quando, após um discurso brilhante na Polónia, decidiu improvisar e declarar que era preciso “tirar Putin do poder”, Joe Biden foi rapidamente desmentido em coro por meio mundo, e até pelos colaboradores da Casa Branca. E isto por uma razão muito simples: todos sabem que há frases que, por si só, podem iniciar uma guerra ou, como poderia ser o caso, fazer escalar a atual para um nível mundial. Assim, apesar da promessa de um cessar-fogo, este é mesmo o momento mais perigoso – aquele em que, se algo correr mal, todos podemos perder.
Rui Tavares Guedes

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