Para além do passado soviético, com que o atual regime não tem identidade política nem ideológica, é difícil entender a simpatia de parte da esquerda pela Rússia. O país não tem um regime socialista, mas uma economia capitalista bastante desigual, entre as mais desiguais da Europa. A Rússia também tem uma história imperialista de desrespeito à soberania e à autodeterminação dos seus vizinhos, já tendo invadido a Geórgia (em 2008) e a própria Ucrânia (na região da Crimeia, em 2014).
As violações aos direitos humanos lá são tão numerosas que é difícil resumi-las. A Rússia não respeita a liberdade de associação; persegue e impede o trabalho das mais tradicionais e respeitadas ONGs; dissidentes e opositores são presos, alguns assassinados, mesmo no exílio; o governo controla a imprensa; persegue e multa veículos; prende e mata jornalistas; a tortura nas forças policiais e militares é uma prática disseminada e tolerada; a população LGBTQIA+ não tem direitos civis básicos e é perseguida por agentes do Estado; e as eleições, embora aparentemente vencidas por Putin, são mesmo assim fraudadas, apenas para demonstrar força.
Se não é por simpatia pelas virtudes sociais e políticas do regime, a defesa da invasão por parte da esquerda parece se dar por razões geopolíticas, pelo efeito positivo de fazer emergir um mundo mais multipolar. Essa é, pelo menos, a tese mais frequente dos intelectuais e comentadores de esquerda que defendem a invasão.
O argumento é que a Otan, a aliança militar que na Guerra Fria se opunha à expansão da União Soviética, promoveu o atual conflito ao se ampliar para o Leste da Europa a partir dos anos 1990. Aproveitando a debilidade russa com o fim do regime socialista, a aliança incorporou países do antigo Pacto de Varsóvia e mesmo fronteiriços com a Rússia, como os bálticos. A tentativa recente da Ucrânia de aderir à Otan teria sido a gota-d’água para os russos, que teriam invadido o país num ato de defesa.
Os pressupostos do argumento estão corretos. De fato, a Otan aproveitou a fraqueza da Rússia para se expandir. Disso não deriva que os russos tenham o direito de violar a soberania ou de ameaçar a integridade territorial de um país vizinho para impedi-lo de entrar na União Europeia ou na Otan. Que direito legítimo é esse de um país invadir o outro em defesa de seus interesses geopolíticos? A esquerda, agora, em defesa de um mundo mais multipolar, passou a defender o imperialismo? Para extrair apenas uma consequência desse raciocínio: se um governo eleito no Brasil viesse a estreitar laços com a China, os Estados Unidos teriam o direito de invadir nosso território, já que a China estaria se expandindo a uma zona tradicional de influência americana?
Enquanto a maior parte da esquerda mundial protesta e repudia a invasão da Ucrânia, parte significativa da brasileira prefere defender o imperialismo. Se a esquerda quer manter um pouco de integridade moral, está na hora de romper com os defensores de ditaduras e impérios. Uma coisa é denunciar e combater todas as formas de imperialismo, inclusive o americano. Outra, bem diferente, é defender as ações imperialistas de um autocrata sanguinário, apenas porque equilibraria o jogo de forças no cenário mundial.
As violações aos direitos humanos lá são tão numerosas que é difícil resumi-las. A Rússia não respeita a liberdade de associação; persegue e impede o trabalho das mais tradicionais e respeitadas ONGs; dissidentes e opositores são presos, alguns assassinados, mesmo no exílio; o governo controla a imprensa; persegue e multa veículos; prende e mata jornalistas; a tortura nas forças policiais e militares é uma prática disseminada e tolerada; a população LGBTQIA+ não tem direitos civis básicos e é perseguida por agentes do Estado; e as eleições, embora aparentemente vencidas por Putin, são mesmo assim fraudadas, apenas para demonstrar força.
Se não é por simpatia pelas virtudes sociais e políticas do regime, a defesa da invasão por parte da esquerda parece se dar por razões geopolíticas, pelo efeito positivo de fazer emergir um mundo mais multipolar. Essa é, pelo menos, a tese mais frequente dos intelectuais e comentadores de esquerda que defendem a invasão.
O argumento é que a Otan, a aliança militar que na Guerra Fria se opunha à expansão da União Soviética, promoveu o atual conflito ao se ampliar para o Leste da Europa a partir dos anos 1990. Aproveitando a debilidade russa com o fim do regime socialista, a aliança incorporou países do antigo Pacto de Varsóvia e mesmo fronteiriços com a Rússia, como os bálticos. A tentativa recente da Ucrânia de aderir à Otan teria sido a gota-d’água para os russos, que teriam invadido o país num ato de defesa.
Os pressupostos do argumento estão corretos. De fato, a Otan aproveitou a fraqueza da Rússia para se expandir. Disso não deriva que os russos tenham o direito de violar a soberania ou de ameaçar a integridade territorial de um país vizinho para impedi-lo de entrar na União Europeia ou na Otan. Que direito legítimo é esse de um país invadir o outro em defesa de seus interesses geopolíticos? A esquerda, agora, em defesa de um mundo mais multipolar, passou a defender o imperialismo? Para extrair apenas uma consequência desse raciocínio: se um governo eleito no Brasil viesse a estreitar laços com a China, os Estados Unidos teriam o direito de invadir nosso território, já que a China estaria se expandindo a uma zona tradicional de influência americana?
Enquanto a maior parte da esquerda mundial protesta e repudia a invasão da Ucrânia, parte significativa da brasileira prefere defender o imperialismo. Se a esquerda quer manter um pouco de integridade moral, está na hora de romper com os defensores de ditaduras e impérios. Uma coisa é denunciar e combater todas as formas de imperialismo, inclusive o americano. Outra, bem diferente, é defender as ações imperialistas de um autocrata sanguinário, apenas porque equilibraria o jogo de forças no cenário mundial.
Pablo Ortellado
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