sábado, 12 de março de 2022

A ditadura explícita e a disfarçada

É fácil se ver no meio de uma manifestação ao caminhar pelas ruas de Budapeste, a belíssima capital da Hungria. De um lado do rio Danúbio, em Buda, o partido ultraconservador Mi-hazank exibe seus símbolos patrióticos. Do outro, em Peste, militantes antivacina prestam solidariedade aos caminhoneiros canadenses. Todos os anos há uma enorme parada gay, sem repressão policial.

Parece uma democracia, mas não é. Livros de temática inclusiva são multados, uma universidade inteira acabou expulsa do país por abrigar intelectuais críticos ao governo e a

Constituição foi reescrita para permitir a reeleição eterna do Fidesz, o partido do primeiro-ministro Viktor Orbán.

Nas duas últimas semanas foram divulgados os resultados anuais de dois rankings de democracia, o da revista britânica The Economist e o do instituto V-dem, que é sediado em Gotemburgo, na Suécia. Tais rankings são especialmente necessários em casos como o da Hungria, em que o autocrata de plantão, Viktor Orbán, usa o manto da democracia para esconder um duro regime autoritário. Os dois estudos estão anexados à versão digital da coluna.


Estive na Hungria quando Jair Bolsonaro visitou Viktor Orbán, a quem chamou de “irmão”. Antes, o presidente brasileiro havia visitado o autocrata russo, Vladimir Putin, que nunca tentou disfarçar seus ímpetos autoritários. “A visita de Bolsonaro a Putin e a Orbán não trouxe nenhum resultado prático, apenas serviu para mostrar à base do presidente que ele tem amigos no mundo”, analisa o cientista político Christian Lynch no minipodcast da semana.

E que amigos! Dias depois da visita de Bolsonaro, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Num congresso no ano passado, o V-dem vaticinou que a onda autoritária aumentaria a possibilidade de guerras pelo planeta. Viktor Orbán enfrenta uma eleição difícil no próximo dia 3 de abril, e fustiga o tempo todo o Judiciário, a academia e a imprensa para se manter no poder. No Brasil, essas mesmas instituições têm ajudado a frear seu “irmão” Bolsonaro.

Vivemos numa época em que golpes de Estado, de direita ou de esquerda, saíram do cardápio político do Ocidente. O autoritarismo passou a ser uma doença que se instala aos poucos. Rankings como o do Vdem e o da The Economist detectam os primeiros sinais do mal.

No ranking do V-dem, o Brasil está entre os países em que a democracia mais se deteriorou nos últimos dez anos. Nossa situação não é comparável à da Rússia ou à da Hungria, a ditadura explícita e a disfarçada – mas é bom ficar de olho.

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