Esperem, ainda não é o fim. Temos baldes de ironias pra deitar fora. Temos aquela revolta gorda e madura já tombando da árvore da indignação. Quantos filósofos inesperados esse vírus parece andar produzindo no país. Gente pronta para morrer, se não hoje, amanhã de manhã. Uma gente destemida, seguramente farta de perigos que não sente. Também os estafados de tudo, os descrentes de tudo, talvez em busca de uma única aventura inédita, nem que seja a última. Há vacina, muitas doses, mas não para nós (com sua licença, Kafka!). Não para os nossos professores, não para as nossas crianças, não ainda para o santo Lancellotti. Mas os nossos filósofos circunstanciais não temem a morte, nem a própria nem a dos seus. Estão loucos? Todos estamos. Os de insanidade e desfaçatez mais avançadas fotografam-se dourados de sol num sonho de verão gêmeo dos bailes de Brasília. Porque sim, há quem se divirta rebolando no meio do pandemônio. Alguém ainda não viu Saló, de Pasolini? Pois aqui no Brasil já passam de 700 dias de Sodoma. E mesmo que uns não aguentem ver com os próprios olhos os espetáculos de abjeção que se passam aí, outros não só veem como se regozijam com o que veem. Todos indecentemente loucos concorrendo em danos mentais com a devastação que o vírus causa. Os que ainda acreditam que a justiça tarda, mas não falha, ou que a esperança é a última que morre, entre os loucos, talvez sejam os menos perigosos. Há ainda o louco da madrugada, que passa uivando pela avenida, sejam tempos pandêmicos ou não. A criatura nunca silenciosa dos nossos pesadelos de conivência com o intolerável, a voz de entranhas do nosso bairro, da nossa cidade, do nosso país, nos acordando para a insônia cotidiana como mais uma tarefa a ser desempenhada. Não, ainda não é o fim.
Mariana Ianelli
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