A democracia a partir de 1988 foi o grande momento de nossa política externa. O restabelecimento de relações com Cuba foi um dos primeiros atos do governo democrático de Sarney. Ele construiu a aliança com a Argentina e, junto com Raúl Alfonsín e Julio Sanguinetti, fez o Mercosul. Collor colocou o Brasil na liderança mundial da defesa do meio ambiente, quando isto ainda não era um tema palpitante. Fernando Henrique e Lula solidificaram nossa presença no mundo. O primeiro formou um time com Lampreia; o segundo formou quase uma instituição com Celso Amorim, a Lulamorim, no cenário mundial. Os dois presidentes e seus ministros colocaram a presença brasileira no ponto mais alto de nossa história. O primeiro foi tratado no nível dos presidentes de países ricos, o segundo conseguiu ser o líder dos presidentes dos países pobres, e com isto ganhar o respeito dos grandes do mundo. O primeiro criou a Bolsa Escola, reconhecida na autobiografia de Clinton, onde é citada em português em todos os idiomas em que foi traduzida; o segundo, com o nome de Bolsa Família, mostrou ao mundo uma política social inovadora. Nada disto seria possível sem a história de nossa política externa e sem o Instituto Rio Branco formando nossos diplomatas.
Fui professor e conferencista em diversas universidades, no Brasil e no exterior, em nenhuma tive um conjunto de alunos com o brilhantismo, a competência e o espírito público dos que encontrei e com os quais convivi naqueles dois anos no Instituto Rio Branco. Tenho orgulho de dizer que o atual ministro não foi meu aluno. Seu desempenho é uma tragédia que vai demorar mais do que a provocada pelo corona vírus. Está quebrando nossa fama e nosso prestígio de neutralidade, independência, solidariedade, eficiência e progressismo. O Itamaraty está contaminado por um vírus cuja consequência nefasta será mais duradoura porque ele infeccionou o Brasil, não apenas os brasileiros.
Ele está desarticulando a máquina do Ministério das Relações, fazendo o Brasil virar motivo de chacota no cenário internacional e na comunidade diplomática do mundo. Além de nos tirar das tradicionais posições de independência e conciliação, nos afasta das posições sintonizadas com os rumos da história, na ecologia, nos direitos humanos e na luta contra a tragédia da pobreza. Suas posições desastrosas pela oposição e preconceito em relação à China, Cuba, Argentina, estão levando ao isolamento e fazendo do Brasil um pária. Em relação à China, é além disto uma estupidez pro tudo que este país representa no cenário mundial e nas relações comerciais com o Brasil. Só um inimigo do Brasil seria capaz de provocar tantos problemas para o país.
Em fevereiro, ouvi de um diplomata estrangeiro que ele sentia mais modernidade e diálogo em diplomatas do talibã do que no Itamaraty de Bolsonaro. Depois de respirar, ele disse: “E vocês já foram os melhores do mundo”. E lembrou os nomes dos chanceleres nos últimos anos: Fernando Henrique Cardoso, Luiz Felipe Lampreia, Celso Amorim, Antônio Patriota, José Serra, Aloysio Nunes.
O trabalho mais difícil no mundo hoje, depois de profissional da saúde, é ser diplomata brasileiro servindo no exterior. E já foi um dos trabalhos mais respeitados e admirados.
O grave é que o estrago feito pela incompetência da diplomacia levará décadas para ser recuperado. Este é um vírus duradouro.
Um dia, os defensores de Bolsonaro poderão alegar que no dia 1º de janeiro de 2019, educação, saúde, economia, finanças não estavam bem, mas terão de reconhecer que o desastre nas relações exteriores foi um crime de Bolsonaro contra o Brasil, sob a incompetência do chanceler que ele escolheu e sob a impotência de líderes civis.
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