segunda-feira, 1 de junho de 2020

Salve-se quem puder

Salvem-se os bichos quando vierem as mãos e as varas, os pés e as travas que eles já conhecem. Os bichos das matas, dos mares, dos ares, os felizes por enquanto, por engano. Quando acordarem do sonho de restituição de suas terras, salvem-se quantos puderem.

Salvem-se os suicidados da sociedade, como o louco que passa berrando na avenida, entrando pelas janelas do bairro com seu grito, atravessando as paredes, os muros, as portarias. Salvem-se os loucos, os que foram enlouquecidos, e sua loucura fique ainda mais incômoda, mais lúcida, de estigmatizar quem os vê e ouve todo dia.

Salvem-se as crianças em suas alegrias repentinas, por pouco ou nenhum motivo, em sua inocência de casca de ovo, em seus veredictos de anjo, em seus dons de brincar sem brinquedo e fazer de um monte de cascalho um tesouro. Salvem-se as crianças com pais e mães nem sempre sãos, nem sempre bons, nem sempre dignos de um filho.

Esses de outro mundo possível, clandestinos neste mundo, que se salvem se puderem, e quantos puderem, como aqueles que, inacreditavelmente, num último instante se salvam de um afogamento. Os selvagens sem pistola, os últimos inocentes, os sem governo.

Mariana Ianelli

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