Pois bem, eu não sou assim tão pessimista. E vou dar um exemplo: na pesquisa de março do CIS [agência pública espanhola de pesquisas de opinião], na pergunta relativa a como as pessoas viam sua situação econômica, só 35,8% responderam que a consideravam “boa” ou “muito boa”. Mas no levantamento de abril essa cifra subiu para 69,8% dos espanhóis; e em maio chegou a 70,1%. Enquanto a economia do nosso país afunda e a pior tempestade da história se intensifica, 7 em cada 10 compatriotas consideram que sua situação é boa ou muito boa, dobrando, em dois espantosos meses, a percentagem anterior ao estado de alarme. Esses dados do CIS foram muito criticados. Tinham mudado a empresa pesquisadora e desapareceu a opção de responder “regular”, antes escolhida por 38%. Mas, destes, 33% marcaram “bom”, e só 4% responderam “ruim”. Algo muito estranho, para o que não encontro outra explicação além da ativação vertiginosa dos neurônios-espelhos, aqueles que estão na própria base da empatia e que nos permitem ser melhores do que habitualmente somos. Um amigo querido, jornalista e jovem, me disse recentemente: “Meu salário bruto é de quase 1.500 euros e recebi 440 do ERTE [8.334 e 2.446 reais, respectivamente; ERTE é um mecanismo que permite a suspensão ou redução temporária da carga horária e do salário do trabalhador]. E agradeço”. Esse agradeço é a chave de tudo. A pandemia tirou a imensa maioria dos espanhóis da contemplação do nosso próprio umbigo; obrigou-nos a nos colocarmos no lugar dos outros, a nos condoermos com as graves dores que esta crise nos trouxe, a nos preocupar com os mais fracos e os mais desprotegidos. Estou certa de que, se tivessem feito a pergunta do CIS ao meu amigo, teria optado pela resposta “bom”, com seus míseros 440 euros. Aumentamos o estoicismo e a resiliência; e, sobretudo, começamos a olhar para os outros com genuína compaixão, uma linda palavra que significa justamente sentir com.
O que na verdade está cheio de lógica, pois é o comportamento habitual do ser humano nestes casos. Numerosos estudos demonstram que os coletivos em situação mais precária são mais solidários que os capitalistas, porque precisam dessa ajuda mútua para sobreviver. É um recurso genético, mas isso não impede que seja lindo.
E assim, do mesmo jeito que meu amigo agradece seus 440 euros, quero agradecer a todos esses concidadãos que se juntam emocionalmente em torno dos mais fracos, que são capazes de encarar com integridade seus próprios medos e estão dispostos ao sacrifício. Obrigada aos que continuam aplaudindo todos os dias, criando esse pequeno espaço transversal de cooperação e afeto. Obrigada também aos que aplaudem, embora depois esmurrem uma frigideira, que me consta que os há; as pessoas têm todo o direito a protestar, mas, quanto àqueles que além de protestar continuam aplaudindo, acredito que não se deixaram embotar pelo sectarismo agressivo e fratricida de uns quantos que tampouco são tantos (um apelo: se em vez de encherem a paciência por meia hora limitassem o panelaço a 10 minutos, a saúde mental e auditiva do país melhoraria). Obrigada a todos os que põem máscaras para cuidar do próximo: os energúmenos que descumprem sem motivo são poucos. Comprovar como tem gente responsável me traz um sorriso fraternal aos lábios e, como não se vê isso sob a proteção, proponho que adotemos o sinal de sorriso da língua de sinais: bater o ar com o dedo indicador estirado junto à comissura da boca, em direção à orelha. Em suma: obrigada, amigos todos, compatriotas, por tentar sulcar com corações brancos estas águas tão turvas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário