quarta-feira, 15 de abril de 2020

'A democracia brasileira me parece um coxo fugindo a um temporal'

Minha ausência por duas semanas deste espaço, motivada pela Covid-19, realmente me deixou tonto com tudo isso que vem acontecendo. Não porque fui visitado por ele (não se assuste, leitor), mas porque o isolamento a que ainda me submeto (um pouco forçado por mim e pelas informações corretas que leio na imprensa profissional, mas muito forçado pela família), me fez diminuir o pique a que estou acostumado para encarar a hecatombe que se abateu sobre o mundo.

No Brasil, em especial, como sempre, a crise ganhou feições próprias, sobretudo em razão de atitudes inacreditáveis do presidente Jair Bolsonaro, eleito pelo voto direto para representar todos os brasileiros.


Com isso, a crise deixou de ser apenas uma preocupação com a saúde, em primeiro lugar, ou com a economia, em segundo lugar, ou com as duas juntas e ao mesmo tempo. Transformamos a epidemia (ou pandemia) numa crise política grave e perigosa e, o que é pior, sem lideranças capazes de liderá-la. Um risco, sem dúvida, à democracia.

Tenho refletido muito, nesses dias realmente difíceis, sobre as crises por que já passei, ao longo de muitas décadas (para citá-las, precisaria de espaço e tempo). Já assisti à democracia renascer, fenecer e nascer de novo, num dos movimentos mais bonitos da história brasileira, que se deu na eleição do ex-presidente Tancredo de Almeida Neves – que soube liderar o país para retirá-lo das mãos dos insensatos.

A propósito, vêm-me à lembrança a entrevista da poeta mineira Adélia Prado, descoberta por Carlos Drumonnd de Andrade, ao jornal “O Globo”, na semana passada.

É dela este final realmente grandioso, que não resisto deixar de citar, talvez, quem sabe, para melhorar estas tristes e aflitas linhas: “A democracia brasileira me parece um coxo fugindo a um temporal. Manca, tropeça, toma chuva, enlameia-se, mas está viva ainda.

Nossos políticos são (na sua maioria, claro) inacreditavelmente inacreditáveis no seu primarismo, na sua voracidade pelo que há de mais desprezível. Apesar de tudo, ela não perde a fé. Vamos rezar e confiar”. O poeta enxerga mais do que nós…

Vamos rezar e confiar, pobres mortais que somos, e que, dificilmente, quando a vida plena de novo retornar, encheremos nossa boca com palavras como paz, empatia, compaixão, solidariedade, respeito ao outro etc.

O homem, essa criatura inventada por Deus, nunca teme o que poderá vir em consequência do despreparo, por exemplo, com a mãe natureza. Passada a hecatombe, infelizmente, tudo voltará como antes, com os ricos ficando mais ricos, e os pobres, mais pobres. Ou não é assim que sempre foi, leitor? Pessimismo?

Do poeta inglês John Donne (1572-1613): “A morte de cada homem diminui-me, pois faço parte do gênero humano. E por isso nunca perguntes por quem os sinos dobram: eles dobram por ti”. E é só.

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