quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Queima total

Em inglês é “burnout”. Em português existem alguns sinônimos tentando resumir, numa só palavra, o terrível estresse que leva uma pessoa além do limite suportável. Burnout é quando o indivíduo pifa. É a queima total da energia; o sujeito se consumiu física e emocionalmente.

Se comparada a poucas décadas atrás, a vida agora não é mesmo brincadeira. No intervalo do meio-dia, meu pai almoçava calmamente em casa e ainda se dava direito a um cochilo – às vezes, até de pijama. Hoje, a pausa do almoço é espremida, e muitos resumem essa pequena folga a um salgadinho e refri engolidos às pressas na lanchonete mais próxima. Olhando ansiosos as mensagens do celular, correm de volta para o serviço.


Vida apertada, competição insana, dinheiro curto, compromissos demais, preservação estúpida da imagem de “sucesso”. Vai que um dia – puf! Os sintomas do burnout geralmente são a falta de energia e entusiasmo; uma certa despersonalização – distanciamento, indiferença – e pior – a incômoda sensação de impotência diante de tudo. É um grito de alerta, é a vida de saco cheio do que estamos fazendo dela.

Uma lista preparada recentemente por estudiosos da síndrome indicou as profissões mais afetadas. Médicos, enfermeiros e psicólogos encabeçam a relação, vejam só. Em seguida, professores (pensei logo nos professores brasileiros, idealistas malpagos e agredidos por bandidos vestindo uniforme escolar). Depois vêm policiais, bombeiros, carcereiros, advogados, oficiais de Justiça – enfim, quem ganha a vida em meio a conflitos, violências, ansiedades e situações desagradáveis de todo tipo.

Conversando com um querido amigo médico psiquiatra de pé engessado por um tombo e repousando na marra, ouvi dele as agruras que costumam acometer profissionais da área da saúde. Trata-se de um universo que ele conhece bem, já que está envolvido – como voluntário, de pura generosidade – com programas de humanização nos hospitais onde trabalha.

Baseados em grupos socioeconômicos semelhantes em vários países, pesquisadores descobriram que médicos, comparados à população normal, têm maior incidência de doenças cardiovasculares, leucemia, cirrose e suicídio – este, tenebrosamente, em dobro.

As causas desse cenário são diversas, com destaque para o contato contínuo com a dor, o sofrimento e a morte; o receio constante de cometer erros; pressões por escassez de tempo, questões financeiras ou políticas do empregador.

Às doutoras leitoras, segue um alerta inquietante do Medscape Physician Lifestyle Report: na população geral, as mulheres vivem em média dez anos mais que nós, homens. No entanto, as médicas vivem dez anos a menos que seus colegas. Se cuidem aí, pô.

Já que profissões penosas trazem dores inevitáveis, creio que podemos e devemos desenvolver nossas imunidades particulares. Aceitam minha modesta receita, senhores doutores e público em geral? Menos ambição, menos vaidade, menos consumo. Menos TV e internet. Mais ócio, meditação, ioga, esportes, livros, boas amizades e, sobretudo, amores gostosos de corpo e alma – santos remédios.

Tempos atrás, não cheguei propriamente ao burnout, mas à beiradinha. Trabalhando feito um idiota, pensando em trocar de carro (embora o atual ainda estivesse perfeito), exigindo o máximo de mim, vinha eu correndo desorientado para pegar um voo – e quase atravessei uma parede de blindex do aeroporto. Resultado: nariz sangrando sem parar, um galo monumental na testa e atendimento de urgência. Sem falar nas risadinhas dos que presenciaram a cena ridícula, já que uma sonora porrada num blindex – tóin! – é cruel, mas é também hilária.

Um pequeno acidente, bobagem. No entanto, foi desse quase burnout e de reflexões posteriores que tirei a lição preciosa: rico não é quem tem muito, mas quem precisa de pouco. Mas esse já é outro assunto.

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