Em condições normais, os representantes de 193 países, os chefes de organismos internacionais, os líderes de organizações sociais e os repórteres dos principais meios de comunicação do mundo não dariam muita bola para Bolsonaro. Mas o capitão desdenhou tanto do meio ambiente em tão pouco tempo que acabou chamando a atenção do ambiente inteiro. Será ouvido com grande aplicação e enorme desconfiança.
Sob Bolsonaro, o governo fez uma opção preferencial pela falta de nexo. Desmontou o frágil aparato fiscalizatório do Ibama, desossou o ICM-Bio, desmoralizou dados científicos do Inpe sobre desmatamento e queimadas, refugou verbas doadas por Noruega e Alemanha para programas de proteção ambiental. Foi como se a nova administração desejasse estimular o desmatamento, a grilagem, a queimada e toda sorte de crocodilagem.
O flerte do presidente com o caos foi plenamente correspondido. E as autoridades de Brasília assistiram à proliferação das queimadas na floresta como se não tivessem nada a ver com as chamas. Instado a reagir, Bolsonaro demonstrou que seu compromisso com a verdade é mais fugaz do que se imaginava. Culpou as ONGs pelo fogo. Como calúnia não apaga incêndio, as labaredas se alastraram, ganhando as manchetes da imprensa internacional.
O governo só começou a agir depois que a imagem do Brasil já estava estilhaçada. Bolsonaro mandou publicar no Diário Oficial despacho ordenando aos ministros que tomassem providências visando a "preservação e a defesa da Floresta Amazônica, patrimônio nacional". Acionou a Polícia Federal contra os desmatadores e transformou as Forças Armadas num corpo de bombeiros hipertrofiado. Só faltou se reconciliar com a verdade.
Bolsonaro passou a trombetear a tese segundo a qual a queimada é um fenômeno anual que chega junto com a seca. Só ganhou repercussão agora porque a mídia o persegue. O Ipam, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, desfez a lorota com uma nota técnica. Nela, esmiuçou a encrenca. Comparando-se 2019 com a média dos três anos anteriores, há menos dias secos agora. A despeito disso, há agora uma quantidade maior de focos de mais focos de incêndio.
O relatório do Ipam anota a certa altura:"A ocorrência de incêndios em maior número, neste ano de estiagem mais suave, indica que o desmatamento é um fator de impulsionamento às chamas". Acrescenta noutro trecho: "Os dez municípios amazônicos que mais registraram focos de incêndio foram também os que tiveram maiores taxas de desmatamento".
Quer dizer: há mais queimadas em 2019 porque o abate de árvores cresceu. O desmatamento é maior porque o governo afrouxou a fiscalização. Vem daí o interesse generalizado pelo discurso que fará na ONU o presidente do país que possui em seu território 35% da floresta amazônica.
O discurso do presidente só será bem sucedido se o orador conseguir restaurar a imagem do Brasil, desarmando retaliações oportunistas às exportações do agronegócio brasileiro. Significa dizer que o êxito depende fundamentalmente da capacidade de Bolsonaro de se expressar durante 20 minutos como um anti-Bolsonaro. Tomado pelo que disse na última quinta-feira numa de suas transmissões ao vivo pelas redes sociais, Bolsonaro não estimula o otimismo.
"Estou me preparando para um discurso bastante objetivo, diferente de outros presidentes que me antecederam. Ninguém vai brigar com ninguém lá, pode ficar tranquilo. Vou apanhar da mídia, que sempre tem do que reclamar, e vou falar como anda o Brasil nesta questão. Eles querem desgastar a imagem do Brasil para ver se criam um caos aqui. Quem se dá bem? O pessoal lá de fora. Se a nossa agricultura cair, outros países que vivem disso vão se dar bem."
Apanhar da mídia? Tolice. Se Bolsonaro retirasse energia da crise, a imprensa mudaria de assunto instantaneamente. O "caos" só existe porque o presidente fabrica crises do nada. Para que "o pessoal lá de fora" não consiga "se dar bem", é preciso que o presidente brasileiro pare de fornecer a matéria-prima usada pelos que desejam ver "nossa agricultura cair".
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