sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Um repórter sete vezes na cadeia

A repórter Talita Fernandes comparou as entrevistas de Bolsonaro à porta do Palácio da Alvorada a um stand-up. Perfeito. Num dos últimos, ele gracejou diante dos jornalistas: "Se o excesso jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos agora". A seu lado, o ministro Sergio Moro, que sempre quis ter a chave da prisão, riu amarelo.


Foi mais uma frase idiota que segue a estratégia presidencial de agradar convertidos e irritar adversários —valendo-se, até, do absurdo de considerar um torturador herói nacional. Mesmo assim, perdi três minutos pensando no esdrúxulo conceito de "excesso de jornalismo". Aí me lembrei de Joel Silveira (1918-2007).

Joel —"como repórter, não tem quem lhe leve vantagem", afirmou Manuel Bandeira— cunhou frases que podem iluminar a cabeça daqueles que hoje vivem destilando intolerância contra a imprensa nas redes sociais:

"Hedionda, repugnante essa espécie de jornalista que baixa o taxímetro antes de escrever a primeira palavra." "Jornalista que vira assunto passa, como jornalista, a não merecer a menor confiança." "Jornalista que não vê no poder um inimigo é porque já faz parte dele."

"Nada mais triste do que ver um repórter sentado numa redação a olhar para a máquina de escrever, disponível e sem assunto, quando os assuntos, todos eles, estão lá fora enchendo as ruas." "Jornalista paulista adora discutir com jornalista como deve ser feito jornalismo paulista em São Paulo. E tome debate, um por dia, às vezes dois."

"Repórter mesmo era aquele confrade Carra, a quem Victor Hugo se refere no 'Noventa e Três'. Segundos antes de ser guilhotinado, no auge do terror de Rosbespierre, ele virou a cabeça para o carrasco e disse: 'Aborrece-me morrer. Gostaria de ver o resto'."

Joel Silveira, este sim, excedia. Na qualidade do seu trabalho e na quantidade de vezes —sete— que a ditadura militar o prendeu.

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