terça-feira, 16 de abril de 2019

O achismo mata a imprensa

Sou um sobrevivente da era de ouro do jornalismo, quando os repórteres dos jornais diários não tinham que competir com as notícias 24 horas da TV a cabo, quando os jornais ganhavam muito dinheiro com propaganda e classificados, e quando eu era livre para viajar para qualquer lugar, no momento que desejasse, por qualquer motivo, com o cartão de crédito da empresa. Havia tempo suficiente para cobrir notícias de última hora sem ter de ficar constantemente relatando as novidades no site do jornal.

Não havia mesas-redondas com especialistas e jornalistas na TV a cabo que começam a responder a qualquer pergunta com as duas palavras mais mortais do mundo da imprensa: “Eu acho”. Estamos saturados de notícias falsas, informações exageradas e incompletas, e asserções falsas feitas sem parar nos nossos jornais diários, nossas televisões, nossas agências de notícia on-line, nossas redes sociais, e pelo nosso presidente.

Sim, é uma bagunça. E não há nenhum passe de mágica nem um salvador à vista para a imprensa séria. Os jornais, as revistas e as redes de TV mainstream continuarão demitindo repórteres, reduzindo a equipe e encolhendo o orçamento disponível para uma boa reportagem, especialmente para reportagens investigativas, cujo custo é elevado, o resultado é imprevisível e ainda têm grande capacidade de irritar leitores e atrair processos caros. Muitas vezes os jornais de hoje correm para imprimir notícias que mal passam de indícios ou suspeitas de algo tóxico ou criminoso. Por falta de dinheiro, tempo ou de uma equipe habilidosa, estamos cercados por histórias com “ele disse, ela disse”, nas quais o repórter não passa de um papagaio. Sempre pensei que era a missão de um jornal buscar a verdade e não apenas registrar a discordância. Houve um crime de guerra? Os jornais agora dependem de um relatório negociado pelas Nações Unidas que aparece, no melhor dos casos, meses depois para nos contar a história.

E a mídia fez algum esforço significativo para explicar por que relatórios da ONU não têm sido considerados a palavra final por muitos ao redor do mundo? Há relatórios críticos sobre a ONU? Posso ousar perguntar sobre a guerra no Iêmen? Ou o motivo pelo qual Donald Trump tirou o Sudão da sua lista de países cujos cidadãos têm restrições para entrar nos Estados Unidos? (A liderança em Cartum, no Sudão, mandou tropas para lutar no Iêmen em nome da Arábia Saudita.)

Minha carreira sempre girou em torno da importância de falar verdades relevantes e que ninguém queria ouvir, e tornar os Estados Unidos um país mais instruído. Não estava sozinho nesse objetivo de fazer a diferença; penso em David Halberstam, Charles Mohr, Ward Just, Neil Sheehan, Morley Safer e dezenas de outros jornalistas do mais alto nível que fizeram tanto para nos ensinar sobre o lado sórdido da Guerra do Vietnã. Sei que não seria possível ter tanta liberdade nos jornais de hoje quanto eu tive até uma década atrás, quando começaram os cortes financeiros. Lembro vividamente do dia em que David Remnick, o editor da New Yorker , me telefonou em 2011 para perguntar se eu podia fazer uma entrevista com uma fonte importante pelo telefone em vez de voar 5 mil quilômetros para realizá-la ao vivo. David, que fez todo o possível para apoiar minha cobertura dos horrores da prisão de Abu Ghraib em 2004 — ele pagou caro para permitir que eu publicasse reportagens em três edições consecutivas —, me implorou no que julguei ser uma voz envergonhada, dolorida, quase um sussurro.

Onde estão as matérias de peso sobre as operações das Forças Especiais dos Estados Unidos que continuam sendo realizadas e a disputa política sem fim no Oriente Médio, na América Central e na África? Com certeza continuam ocorrendo abusos — a guerra é sempre um inferno —, mas os jornais de hoje e as redes de TV simplesmente não têm dinheiro para manter correspondentes lá, e quem ainda faz isso —, basicamente o New York Times , onde trabalhei alegremente por oito anos na década de 70, sempre causando encrenca — não consegue financiar as reportagens de longo prazo necessárias para mergulhar a fundo na corrupção dos militares ou dos serviços de Inteligência. Como você lerá aqui, demorei dois anos para aprender o que precisava para relatar a espionagem doméstica ilegal que a CIA realizava nas décadas de 60 e 70.

Não finjo ter a resposta para todos os problemas da imprensa nos dias de hoje. O governo federal deveria apoiar a imprensa, como a Inglaterra faz com a BBC? Pergunte a Donald Trump. Deveria haver alguns poucos jornais nacionais financiados pelo público? Em caso afirmativo, quem poderia comprar ações dessa empreitada? Este é claramente o momento de renovar o debate sobre o que fazer a seguir. Acreditei por anos que tudo se resolveria, que os jornais americanos decadentes seriam substituídos por blogs, coletivos de notícias on-line e por semanários que preencheriam as lacunas das reportagens locais, assim como das notícias nacionais e internacionais, mas, apesar de alguns poucos casos de sucesso — VICE , BuzzFeed , Politico e Truthout são os nomes que me ocorrem —, isso não está acontecendo; em consequência, a mídia, assim como a nação, está mais tendenciosa e estridente.

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