sexta-feira, 15 de março de 2019

A idade da ira

Há momentos em que aumenta o fosso entre o especialista, seguro de seus conhecimentos, e o cidadão comum, cuja experiência de vida não corresponde ao que os dados mostram. Essa brecha pode ser perigosa porque os cidadãos acabam acreditando que estão sendo enganados, e não há nada mais devastador para a democracia do que essa desconfiança.


Um editor veterano do Financial Times, David Pilling, acredita que estamos vivendo em uma "era de ira", definida por uma reação popular desfavorável e a rejeição das instituições e ideais que antes eram apreciados, incluindo o próprio liberalismo ocidental. Muitas explicações contraditórias tentam interpretar o que tem causado essa ira popular em países que, a julgar pelas medições convencionais, nunca foram tão ricos. Em todos eles há um elemento comum: as pessoas não veem a realidade de sua vida refletida na narrativa oficial (A Ilusão do Crescimento, Alta Books).

A economia espanhola vem crescendo há vários anos seguidos, e na maioria dos casos acima dos principais países vizinhos (em 2018, cresceu 2,5%, e aguenta, surpreendentemente, em meio à desaceleração mundial). No entanto, a percepção de muitos cidadãos não corresponde de forma alguma a essa situação de crescimento de longo prazo porque eles não se beneficiam dele. Por exemplo: mais de um milhão de famílias que ainda não têm nenhum salário para sobreviver porque nenhum de seus membros está empregado. Alguns anos atrás, em um rompante de sinceridade, o então presidente francês, Nicolas Sarkozy, proferiu uma frase que serve para estes casos: "Uma das razões pelas quais a maioria das pessoas percebe que está pior, embora o Produto Interno Bruto (PIB) esteja crescendo, é porque está realmente pior."

Há analistas que acreditam que uma das razões pelas quais a crise econômica surpreendeu tantos por sua profundidade e duração é que os sistemas de medição falharam e os agentes de mercado e funcionários do governo não se fixaram no conjunto de indicadores apropriados. Em sua avaliação, nem os sistemas de contabilidade privada nem os públicos foram capazes de alertar a tempo, e não avisaram que o bom comportamento prévio da economia mundial poderia estar sendo alcançado à custa do crescimento futuro, e que parte desses resultados eram uma miragem, pois eram lucros baseados em preços inflados por uma bolha.

No livro citado, David Pilling se une às iniciativas que sugerem que o PIB é cada vez mais limitado para refletir o bem-estar de uma sociedade, e seria preciso criar um conjunto simples de medidas que reflitam as principais inquietações da nova economia (entre outras, medições da renda mediana, da pobreza, do esgotamento de recursos, etc). Por exemplo: quando ocorrem grandes mudanças no nível de desigualdade pode ser que o PIB, ou qualquer outro cálculo agregado per capita, não proporcione uma avaliação adequada da situação em que se encontra a maioria da população. Se a desigualdade aumenta muito em relação à expansão média do PIB, essa parcela de pessoas pode estar em uma situação pior, mesmo quando a renda média tiver crescido.

No Reino Unido de Tony Blair e David Cameron foram postos em prática projetos para medir o bem-estar, além do crescimento econômico. Mas definharam. Como também as recomendações da Comissão sobre a Medição do Desempenho Econômico e do Progresso Social, para a qual Sarkozy nomeou Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi.

Há também o Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que introduz três dimensões fundamentais para o bem-estar: ter uma vida longa e saudável, adquirir conhecimentos e desfrutar de um padrão de vida decente.

Em seu bem-sucedido romance "Ordesa", Manuel Vilas escreve: "Quem dera pudéssemos medir a dor humana com números claros, e não palavras incertas. Quem dera houvesse uma maneira de saber o quanto sofremos e que a dor tivesse matéria e medição”.

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