sábado, 5 de janeiro de 2019

Os meninos não se vestiram sempre de azul, nem as meninas de rosa

“É uma nova era no Brasil. Menino veste azul e menina veste rosa.” Estas foram as palavras de Damares Alves após assumir o cargo de ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. Posteriormente, matizou essas declarações: “Fiz uma metáfora contra a ideologia de gênero, mas os meninos e as meninas podem vestir azul, rosa, colorido, enfim, da forma que se sentirem melhores”.

Mesmo assim, essa distinção pode parecer natural e habitual para muita gente, embora na verdade não seja nada mais do que uma convenção arbitrária e relativamente recente: os meninos não se vestiram sempre de azul, e as meninas não se vestiram sempre de rosa.

Como já informamos nesta seção, a historiadora Jo B. Paoletti escreve em seu livro Pink and Blue: Telling the Girls From the Boys in America que nos Estados Unidos não se usavam tons pastel para os bebês até a Primeira Guerra Mundial: antes se optava simplesmente pelo branco.

Nas classes altas, aí sim, era mais habitual o uso de cores pastel antes do século XX, mas meninos e meninas usavam de forma indistinta rosa, azul e outras cores, como explica Valerie Steel, diretora do Museu do Instituto da Moda de Nova York, em um artigo na CNN.

No primeiro terço do século XX, muitos fabricantes e vendedores de roupa infantil tentaram estabelecer diferenças de cor com o objetivo de aumentar as vendas, mas não havia consenso na hora de optar por uma ou outra.

Por exemplo, a revista Ladies’ Home Journal recomendava em 1918 o rosa para os meninos, por ser “mais resoluto e forte”, como assinala o jornal The Guardian. Já as meninas deveriam se vestir de azul, “mais delicado e amável”. Em 1927, a Time publicou um quadro que detalhava qual era a oferta preferencial de cores em lojas de departamentos norte-americanas, como lembra Paoletti. Essa tabela reflete que o critério ainda não estava claro, mas 60% das lojas de departamentos preferiam o rosa para os meninos. Devemos levar em conta que o rosa era associado ao vermelho, a cor do sangue e do vigor.

Os tons pastel (tanto azul quanto rosa) também se popularizaram entre os bebês europeus, frequentemente sem distinção. E quando havia diferenciação, tampouco se seguia sempre o critério atual. Os orfanatos franceses utilizavam o azul para os meninos e o rosa para as meninas, mas na Bélgica, Suíça e parte da Alemanha era o contrário. De fato, Eva Heller explica em seu livro A Psicologia das Cores que na Alemanha essa distinção que agora nos parece habitual não existia até os anos 20, e só se generalizou a partir dos anos 70.

A partir dos anos 80, o rosa se impôs definitivamente na paleta de cores em milhares de produtos para meninas, deslocando outras opções. A tal ponto que, segundo Paoletti, no que se refere a esta questão, há muito mais diferenciação por sexos agora do que décadas atrás.

Não há raízes ancestrais que justifiquem que os meninos devam usar azul e as meninas, rosa. De fato, as crianças de menos de dois anos preferem cores intensas, como vermelho e azul, segundo a bióloga Anne Fausto-Sterling, e não cores suaves ou tons pastel.

Além disso, a cor favorita da maioria de pessoas (homens e mulheres) é o azul, como mostra uma pesquisa realizada em dez países pela empresa de opinião pública britânica YouGov, na qual o rosa custa a aparecer entre as cinco opções favoritas. O azul também é o favorito das mulheres (embora com menos vantagem do que para os homens). Depois vêm o verde ou o vermelho. Estes dados coincidem com os publicados por Eva Heller em seu livro, que explica que, em geral, as preferências de cores entre homens e mulheres são similares.

Também é preciso ter em mente que as convenções sobre os significados de cada cor são em grande medida arbitrárias e, além disso, mudam com o tempo. Assim, o vermelho costuma ser identificado com a vida, a saúde, o vigor, por ser a cor do sangue. No entanto, muitas vezes a conotação da cor não tem relação com nenhum paralelismo: o roxo se associa à nobreza e aos reis simplesmente porque era caro conseguir esse corante.

Esses significados também podem variar dependendo da cultura em que estivermos. Em inglês, yellow significa amarelo e covarde (Judas era vestido em muitos quadros com essa cor), mas essa cor também é associada ao sol e, portanto, à felicidade e à nobreza (como no Egito e na China). E, é claro, existem as modas: o rosa foi muito usado durante o Rococó, como se pode ver no retrato de Luís XVI pintado por Nicolas-André Monsiau. E isso sem falar que ao longo da história (e dependendo do lugar) os homens usaram vestido, saia, meia-calça, peruca, maquiagem e salto alto.

De qualquer forma, e apesar do que qualquer ministra diga, hoje em dia podemos comprar e usar roupas da cor que quisermos. Só faltava nos sentirmos culpados pela cor de uma camiseta.

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