sábado, 29 de setembro de 2018

Desprezo à erudição e reflexos na cidadania

Portugal coibia a instalação de escolas em sua principal colônia, porque sabia que povo instruído seria um risco a seu domínio. Os jesuítas alfabetizavam os gentios, como parte da evangelização, e alguns jovens iam estudar na metrópole, formando-se em direito e humanidades. Houve avanços apenas em 1808, quando dom João VI instalou-se em Salvador acompanhado por 15 mil nobres e serviçais. Procurou logo oferecer-lhes boas condições no exílio, rompendo barreiras que proibia a educação sistematizada, ao fundar a Escola de Cirurgia da Bahia.

O príncipe regente tinha trazido 60 mil livros da real biblioteca, muitas obras de arte e preciosos itens da Casa de História Natural de Lisboa. Transferindo-se para o Rio de Janeiro, deu um salto de modernidade e erudição à nova sede da Coroa Portuguesa. Criou a Imprensa Régia, a Academia da Marinha, a Academia Militar, o Jardim Botânico, a Real Fábrica de Pólvora, o Laboratório Químico Prático e, em novembro do mesmo ano, a Faculdade de Medicina. Em 1810, fundou a Biblioteca Nacional; em 1816, a Escola Real de Artes, Ciências e Ofícios e, em 1818, o Museu Real, no Realengo, que se tornou Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, após a Proclamação da República.

Como todos os monarcas daquela época, dom João VI tinha apreço às artes, ciências e humanidades. Seu filho, imperador dom Pedro I, tornou-se exímio pianista e compositor. Seu neto, dom Pedro II, era fascinado pela erudição, pelas novas tecnologias e por projetos inovadores para o Brasil, como uma ferrovia que ligasse o Rio de Janeiro a Belém do Pará.


Jaqueline Vieira de Aguiar analisa, no livro “Princesas Isabel e Leopoldina: Mulheres Educadas para Governar”, como o imperador acompanhava de perto a instrução das filhas por bons preceptores, em várias línguas e áreas. Quando viajava, mantinha correspondência, criticando o estilo, a caligrafia e a estética das missivas; exigiam que elas se preparassem adequadamente para sucedê-lo.

Apesar dessa propulsão para o conhecimento no século XIX, os brasileiros não insistiram em sua formação. O sistema educacional permanece canhestro e com baixíssima produtividade. Os governantes têm se aproveitado dessa lamentável situação, porque manipulam vergonhosamente a ignorância dos eleitores. A modernização da economia vem exigindo formação superior, e muitos lutam pelo diploma universitário, mas se contentam com esse documento sem considerar a erudição que levaria ao pensamento crítico, alheio às opções políticas. Isso lhes garantiria uma interpretação autônoma do mundo, fundada nas experiências do próprio país, como seria importante agora.

Predomina, infelizmente, acomodação à qualificação mínima, sem preparação multifacetada para diferentes atribuições numa sociedade em permanente transformação. Assim, a ampliação da rede escolar não acarretou avanços na construção da cidadania. O quadro dos candidatos é uma amostra da deplorável formação intelectual dos brasileiros, embora alguns tenham curso superior.

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