terça-feira, 11 de setembro de 2018

Cuidado Veneno

A bula dos principais agrotóxicos vendidos no Brasil recomenda aos usuários a instalação de uma placa, nos locais de armazenagem, com o alerta: "cuidado, veneno". A advertência clara, feita pelos próprios fabricantes, não foi levada à sério durante os debates sobre o projeto que flexibiliza as regras para registro e controle dos agrotóxicos. O Projeto de Lei 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno” foi aprovado em comissão especial da Câmara e avança perigosamente, na contramão de manifestações de protesto dos mais importantes representantes da comunidade científica nacional e internacional - e de pesquisadores independentes.


Já se posicionaram contra o projeto o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, o Instituto Nacional do Câncer, a Fundação Oswaldo Cruz, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva e outras duas dezenas de entidades científicas. Em carta enviada ao governo brasileiro, a Organização das Nações Unidas apontou preocupações quanto à possível aprovação do projeto. A organização Human Rights Watch recomendou que o Brasil rejeite a reforma legislativa e estude com urgência um plano de redução no uso de produtos altamente perigosos. E a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência alertou a “sociedade brasileira para os efeitos potencialmente catastróficos da aprovação deste PL para a saúde pública”.

Entre as mudanças propostas no projeto, está a substituição do termo “agrotóxico”. A justificativa apresentada no relatório do projeto é que o termo gera preconceito contra o agronegócio. Ou seja, há o reconhecimento de que o modo como se nomeia algo importa – e muito.

É intuitiva a ideia de que o nome de um produto deve expressar, tanto quanto possível, o entendimento que se tem dele e de seus efeitos. Indiscutivelmente, a expressão “agrotóxico” foi assimilada em nossa cultura e expressa a relação do nome como produto, que é destinado à agricultura e é tóxico. Agrotóxicos são desenvolvidos para exterminar formas de vida. São biocidas capazes de afetar o meio ambiente e a saúde humana. Não distinguem alvos. O ser humano e o meio em que vive são gravemente afetados pelo uso exagerado de substâncias cujos reais efeitos, muitas vezes, só serão conhecidos décadas após a exposição. Autoridades responsáveis pela saúde e pelo trabalho reconhecem que há subnotificação nos registros oficiais sobre intoxicados. A Organização Mundial da Saúde estima que apenas 2% dos casos são notificados.

Vejamos esse alerta na bula de um herbicida: "Evidências indicam que a exposição ao paraquate pode ser um dos fatores de risco para a doença de Parkinson em trabalhadores rurais. Evidências demonstram a existência de risco da exposição ao paraquate causar mutações genéticas em trabalhadores rurais". Qual seria a nomenclatura mais apropriada para denominar o produto? “Defensivo vegetal”? “Remédio para plantas”? “Produto fitossanitário”? A inadequação dos termos salta aos olhos, diante do exemplo porque, claramente, não expressam o potencial ofensivo aos seres humanos.

A Constituição Federal, que completa 30 anos em setembro, defende a promoção da educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (art. 225). A mesma Constituição refere-se expressamente aos “agrotóxicos”, ao determinar que a sua propaganda contenha “advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso” (art. 220). A Carta de 1988 também enfatiza o direito à saúde e ao meio ambiente, inclusive no trabalho, e destaca que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Às vésperas do aniversário da Constituição, vemos direitos fundamentais ameaçados por um projeto de lei baseado em eufemismos que servem apenas aos que pretendem alterar a percepção sobre produtos que podem causar danos severos aos seres humanos e ao meio ambiente.
Leomar Daroncho, procurador do MPT/Marco Antonio Delfino de Almeida, procurador da República

Nenhum comentário:

Postar um comentário