domingo, 22 de julho de 2018

Javalis Selvagens sabem

Agora que os Javalis Selvagens saíram, é hora de a seleção brasileira entrar na caverna escura e de lá só dar as caras quando entender como, caramba!, aqueles moleques não panicaram?! Que técnica de jogo é essa? É o arroz? Aquela saudação de mãos postas?

O que faz com que o time dos milionários brasileiros trema as pernas, e tudo mais que lhes vai em cima, quando sofre um gol banal? Os juniores dos Javalis Selvagens, trancados em meio à lama escura, próximos do fim anunciado para a hora seguinte, simplesmente meditaram sorridentes à espera de uma solução.


Os Javalis Selvagens não enfrentaram a mixaria dos diabos belgas. Eles se viram olho no olho com a morte imediata, isto se a indigitada das gentes não estivesse invisível na escuridão. Ninguém via nada, os diabos de todas as nações estavam na tocaia. Nenhum garoto gritou. Por que o Brasil da Copa de 2018, diante de dificuldades menores, alarmou-se em pânico? Tinha sido assim em 2010, quando sofreu um gol da Holanda e imediatamente o volante Felipe Melo pisou de raiva vingativa a perna do Robben, e foi expulso. Os Javalis Selvagens controlaram-se. Diante da derrota que parecia iminente, foram encontrados sem tremeliques no meio das trevas. Zero de desespero. Que chá eles tomam? Que Deus? Que técnico é esse?!

Quem viu os jogos da Copa da Rússia ficou com a impressão de que essas seleções inventaram agora jogadores de dois mil metros de altura aos quais só custa aparar com a cabeça a bola que vem do escanteio. Grandes coisas! De futebol mesmo esses grandalhões devem ter visto no máximo aquele vídeo em que o Pelé, diminuindo-se de glórias, ensina a cabecear — bastava ficar de olhos abertos para ver em que direção se está mandando a bola. O Pelé era baixo, precisava de alguma artimanha para sair do chão. Esses sujeitos do futebol de laboratório são altos, fortes, mas quando voam não dão asas à imaginação. Como foram chatos esses gigantes cabeceadores que resolveram a Copa com os procedimentos permitidos pelas centimetragens extras! Que vida lamentável essa de se postar ali na altura da pequena área, com toalha e sabonete, à espera do famigerado chuveirinho!

O Brasil está completando 60 anos da frase redentora de Nelson Rodrigues, aquela de que graças à seleção campeã de 1958 o país havia deixado de ser um vira-lata entre as nações. Foi um momento de afirmação, o fim da crença de uma covardia atávica que a todos de verde e amarelo acometeria na hora de decidir. Agora a viralatice pátria está nos nervos. Um país à flor da pele. Por que será que os Javalis Selvagens, ao verem a morte de perto, simplesmente não piscaram para qualquer manifestação de desespero, enquanto nos campos da Rússia, ao serem atropelados pelo De Bruyne e o Lukaku, os jogadores brasileiros esqueceram imediatamente todos os recursos que lhes eram inerentes e começaram a chutar bolas sem qualquer sentido para longe do gol adversário?

Nervos de aço só nas letras de Lupicínio Rodrigues. Os jogadores da seleção nessas últimas Copas, ao primeiro gol adversário fizeram-se com os nervos em frangalhos. Perderam aí. Foi uma Copa do Mundo triste, essa que idolatrou os jogadores velocistas, versão ludopédica do Usain Bolt. Eles ganharam a capacidade de correr feito uns loucos, agora com o plus da dificuldade de não perder o controle da bola presa aos pés. Esses novos robôs do futebol cabeceiam muito, correm mais ainda, mas não sabem o valor de uma caneta, não traçam o compasso necessário para o drible da vaca. Toda essa ausência de talento tornou a temporada de um aborrecimento infindo. As estatísticas estão aí com sua antipatia indesmentível. Nunca se fez tanto gol de falta. Como sabe qualquer João Saldanha de botequim, qualquer Oldemário Touguinhó de quitanda, basta treinar o dia inteiro com aquela barreira de bonecos de lata e logo se colocará a bola lá onde a coruja dorme. Chegará o dia, aguardem a próxima Copa, em que a Fifa, assim como já acontece no futebol americano, permitirá a entrada em campo daquele jogador que simplesmente dará o chute e em seguida se porá medíocre de volta ao banco, à espera de uma nova falta.

Os jogadores brasileiros continuam sendo os melhores do mundo, com os talentos mais imprevisíveis e, se isso é um passo importante para botar a mão na taça, é preciso que se dê mais um.

É preciso parar de tremer diante da possibilidade do fracasso, da bola aérea ou do contra-ataque. Se o adversário faz o primeiro gol, o Deus-nos-acuda entra em campo e a desgraça se completa. Ao Brasil Bom de Bola, campeão mundial no controle de embaixadinhas, falta controlar os nervos. Na Copa do Brasil em 2014 também foi assim, e lá está a imagem inesquecível do capitão Thiago Silva, incumbido da responsabilidade de ser o macho dos machos, chorando sentado na bola, no pânico lamentável de bater um pênalti. Por que tremem tanto assim esses rapazes, todos apavorados com uma simples bola nas costas? Os Javalis Selvagens parecem saber a resposta. Cabecearam de olhos abertos no contrapé da morte. Sem faniquito. Mereceram ganhar a Copa.
 Ana Maria Machado

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