domingo, 22 de julho de 2018

Ironias banais do Brasil

Declarar-se “anti sistema” e ao mesmo tempo depender do establishment político para vencer a eleição é tão penoso quanto risível. Fácil é maldizer o fisiologismo, complicado é render-se em articulações que mais tarde cobrarão o apoio em sinecuras. Há nisso tudo aparente esquizofrenia, que sugere paradoxos e contradições. Mas, no interior do sistema e da cultura política, isto tudo apenas revela ironias banais no Brasil.

Salvo pequenas exceções, a maioria dos candidatos faz pose, renega o fisiologismo e condena a corrupção. Não hesita, porém, correr atrás de apoios; oferece espaços e recursos à turma do Centrão e a alguns ícones do fisiologismo nacional. Pudores se dobram à realpolitke ao mais básico (e duvidoso) dos bens eleitorais, o tempo de TV durante a campanha.

Se é fato que não se governa sem vencer a eleição, o problema é que se governa muito mal quando a vitória eleitoral se dá a qualquer custo. O filme é conhecido. Contudo, nesta fase do certame, governar ainda parece ser preocupação de segunda ordem.

Por outro lado, partidos do adesismo e fisiologismo nacionais se aproximarem assim a esmo de candidatos díspares. Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e o Plano B do PT… Difícil encontrar pontos em comum entre eles. Nada os aproxima, nem o diagnóstico da situação do país, nem os valores que carregam. Menos ainda as personalidades. Ainda assim, nenhuma aliança é descartada.

Não há intersecção entre esses nomes, estilos ou propostas. Ainda assim, partidos como PR, PP, Dem e Solidariedade se quedam paralisados como quem está em dúvida diante de uma bifurcação na estrada. Mas, o que menos interessa é o caminho se todos levarem ao mesmo lugar: ao governo, em 2019.

O certo é que quase ninguém se coliga por afinidade ideológica ou por em busca de um consenso programático. Os interesses são menos abstratos e muito mais concretos que isso. Há quase sempre um leilão: leva a mesa quem der mais em instrumentos políticos que farão eleger maior bancada ou expressar a melhor perspectiva de vitória. Tudo muito mais simples.

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Em vista disso, líder nas pesquisas eleitorais, Jair Bolsonaro tem encontrado um paredão de dificuldades para fechar alianças e compor sua coligação para outubro. Em tese, a força eleitoral do ex capitão deveria estar acompanhada por correspondente importância política. Não está. Contraditoriamente, é a força centrífuga do sistema que o afasta.

Bolsonaro tem se consolidado como candidato orgânico da parcela mais conservadora e reativa da sociedade. Isto lhe dá sólida base, em torno de 15% ou 20% o que, numa eleição como esta, leva à liderança no primeiro turno. Mas, ao mesmo tempo, parece ser pouco, quase nada, para o segundo turno, quando a eleição se define de verdade.

Confinado ao estilo e ao tipo de carreira política que fez, o ex capitão tem dificuldade em expandir seu diálogo e se aproximar do eleitor de centro, bem mais moderado. A limitada capacidade de ampliação o fere profundamente, formando um círculo negativo (para ele): sem ampliar, não terá coligações e portanto tempo de TV. Sem isto, não consegue ampliar.

O fisiologismo nacional é sagaz: apostar num eventual campeão do primeiro turno, que fique pelo meio do caminho no segundo é o mesmo perder a eleição de largada. Pragmáticos e voltados ao poder, políticos fazem conta: querem inteiro, não pela metade.

O caso de Geraldo Alckmin se assemelha, mas também se difere. O tucano seria quem garantiria melhor convívio ou pelo menos maior previsibilidade, depois de eleito. Contudo, como garantir hoje que decolará logo mais, amanhã, quando o horário de TV começar? O tempo pode ser curto para se desvencilhar das bolas de chumbo que traz aos pés: Aécio Neves e Michel Temer, além da inconveniência de amigos arrolados pela Lava Jato. A incerteza em relação ao ex-governador é grande. Mas, em relação aos outros também.

Ciro Gomes, menos comprometido por aliados e correligionários, é, porém, a instabilidade encarnada numa pessoa. Seus movimentos não são retilíneos nem tampouco uniformes. É ziguezagueante. Dono de uma loquacidade ímpar, “avança, para, e recua; recua, avança e para”. Acerta e erra com a mesma facilidade com que fala; tropeços verbais também esfolam joelhos, além da sensação de segurança. Esta de xingar um promotor de fdp foi mais uma de lascar.

As circunstâncias até ajudam, mas, Ciro parece ser tão capaz de ganhar a eleição quanto de perder uma eleição ganha. Por ser menos imprevisível, entre todas as incertezas, Alckmin pode ser compreendido como a dúvida menos incerta. Obviamente, há dificuldades com a decolagem. Mas, alguma aposta, aos 45 do segundo tempo tem que ser feita. O ex-governador é leito mais sereno. Ao final, a rapaziada do Centrão pode se ver em maior perspectiva. Na eleição e no eventual governo.

Como qualquer tipo de investidor, esse tipo de político é avesso ao risco. Quer segurança, previsibilidade, se não para o país, para a manutenção do poder. Por isso, nem mesmo Lula e o PT estão descartados. Tudo depende da perspectiva que se abre. (“Haverá transferência dos votos de Lula para o Plano B?”, deve se perguntar Valdemar Costa Neto…) Política é jogo de expectativas tanto quanto a economia. E, ao final, ninguém rasga dinheiro.
Carlos Melo 

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