Nos últimos dias, porém, dois fatos sincronizados complicaram a situação do presidente, retirando-lhe a aura de exímio equilibrista que lhe é atribuída. Primeiro, frustrou-se a operação em que o ex-diretor-geral da PF, Fernando Segovia, insinuava arquivar os processos contra o presidente. Depois, os efeitos da intervenção barra forçada no RJ parecem, até aqui, pouco significativos para a diminuição de sua rejeição. Temer voltou a estar vulnerável.
No interior do processo de frustração aos planos de Temer, encontra-se Luís Roberto Barroso. O ministro do STF tem sido implacável nos embates com seus colegas refratários a investigar autoridades com foro privilegiado. Mas, também na condução, como juiz, de processos que envolvam essas autoridades.
Foi nessa condição que, ao puxar as orelhas de Segovia, impediu a trama carnavalesca do arquivamento. É assim, agora, ao definir a quebra de sigilo bancário do presidente e indicar que não haverá condescendência na instrução de um processo que deve seguir para além do mandato.
Não entro em e nem cabem a mim questões jurídicas que não domino. Não sei se Barroso age nos limites da lei e do direito. Deixo aos especialistas verdadeiros ou aos pretensos que façam essa discussão. O fato é que Barroso é hoje, o maior antagonista de Temer e dos ''com foro''. É ainda pedra no sapato que mais incomoda e não permite a grande pizza ''com Supremo, com tudo'', que Romero Jucá proclamou certa feita.
É da lavra Barroso uma das frases que, politicamente, melhor cabem à crônica destes dias: “eu via as malas, eu vi os dinheiros, eu vi a corridinha”, disse no plenário do STF. Ficará para a história, citada ao longo do tempo. E todo viram: são imagens que refutam argumentos que buscam impedir, pelo menos, a investigação dos maleiros e de suas conexões políticas e pessoais.
Imagens que aconselham apurar indícios, dúvidas e suspeitas. Claro, sem prejulgar. Como qualquer cidadão, Michel Temer merece investigação criteriosa, julgamento justo — se a ele for levado. Se é fato que não se pode afirmar que o presidente está envolvido com lambanças atribuídas a pessoas de seu grupo e confiança, tampouco se pode afirmar que não esteja.
Qualquer sujeito intelectualmente honesto sabe disto: ao presidente, não cabem privilégios que desmoralizem a política e a democracia. Como a qualquer cidadão. Até por questão de Justiça e igualdade — uniformidade de critérios, pelo menos —, considerações a respeito da governabilidade não cabem agora, como não couberam para o caso de Dilma Rousseff.
Ao embrenhar-se na defesa de Temer, talvez em causa própria, Lula se precipita como seu advogado político. Elevando-o à condição de vítima de um golpe, vislumbra o quê, um pacto? Ora, também viu ''as malas, os dinheiros, a corridinha”, embora pareça ter-se esquecido, por conveniência.
Analistas políticos dominam umas poucas ferramentas de análise: compreensão lógica de fatos e personagens; uns conceitos. Contudo, a coerência é matéria que vem do caráter: o que se exigiu em relação a Dilma, o que se defende em relação a Lula, deve servir, do mesmo modo, a Michel Temer. Como a qualquer cidadão, mesmo para quem não seja um cidadão qualquer.
Carlos Melo
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