Dessa sala-observatório da Indra na cidade espanhola de San Fernando de Henares, José Antonio Rubio explica que é aqui onde gigantescas quantidades de dados são transformadas em conhecimento suscetível de ser monetizado. “Os algoritmos não têm só a capacidade de explicar a realidade, mas também de antecipar comportamentos. É uma vantagem para evitar e minimizar riscos e para aproveitar oportunidades”, afirma Rubio, diretor de Soluções Digitais da Minsait, a unidade de negócio criada pela Indra para encarar a transformação digital.
Não é novidade que as empresas obtenham dados da analítica avançada para estudar características do produto que planejam lançar no mercado; o preço que se quer colocar e até decisões internas tão sensíveis como a política de retribuições aos seus funcionários. O surpreendente é a dimensão. Não é só o fato de que recentemente o número de dados em circulação tenha se multiplicado a volumes difíceis de se imaginar — calcula-se que a humanidade gerou nos últimos cinco anos 90% da informação de toda a história. Também cresceram vertiginosamente as possibilidades de interconectá-los. A palavra revolução corre de boca em boca entre acadêmicos e gestores empresariais em contato com o florescente negócio dos algoritmos e o chamado big data.
“A primeira revolução chegou há alguns anos, com o armazenamento de imensas quantidades de dados procedentes das pegadas eletrônicas que todos nós deixamos. A segunda, na qual estamos imersos, vem da capacidade que tanto os empresários como os usuários e pesquisadores têm de analisar esses dados. Essa segunda revolução procede dos algoritmos supercapazes e do que alguns chamam de inteligência artificial — mas que eu prefiro denominar de superespecialistas”, explica Esteban Moro, professor da Universidade Carlos III de Madri e do MediaLab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), de Boston.
Essa segunda revolução conta com a ajuda de cada uma das milhões de pessoas que todo dia entregam seus dados de forma gratuita e contínua, seja publicando uma foto no Facebook, comprando com cartão de crédito ou passando pelas roletas do metrô com um cartão magnético.
Na esteira de gigantes como Facebook e Google, que baseiam seu enorme poder na combinação de dados e algoritmos, cada vez mais empresas investem quantidades crescentes de dinheiro em tudo o que se relaciona com big data. É o caso do BBVA, que aposta tanto em projetos invisíveis para clientes — como os motores que permitem processar mais informações para analisar as necessidades dos usuários — como em iniciativas facilmente identificáveis, entre elas a que permite que os clientes do banco possam prever a situação de suas finanças no final do mês.
“Faz décadas que o setor financeiro usa modelos matemáticos. Nos anos setenta, o cliente de um banco vinha definido por muito poucos atributos, como lugar de residência, idade, profissão e renda. Hoje, contudo, ele deixa uma pegada digital muito profunda que nos ajuda a conhecê-lo para personalizar nossa oferta de serviços e minimizar os riscos. A novidade é a profundidade dos dados e a capacidade analítica”, afirma Juan Murillo, responsável pela divulgação analítica do BBVA. “O grande desafio agora é ver como todos esses dados se transformam em valor, não só para a empresa, mas também para os nossos clientes e a sociedade.”
As amplíssimas possibilidades oferecidas pelos algoritmos não estão livres de risco. Os perigos são muitos: vão da segurança cibernética — para fazer frente aos hackers e ao roubo de fórmulas — até a privacidade dos usuários, passando pelos possíveis vieses das máquinas.
De fato, um recente estudo da Universidade Carlos III concluiu que o Facebook controla, para uso publicitário, dados sensíveis de 25% dos cidadãos europeus, que são categorizados na rede social em função de assuntos tão privados quanto sua ideologia política, orientação sexual, religião, etnia e saúde. A Agência Espanhola de Proteção de Dados já impôs em setembro uma multa de 1,2 milhão de euros (4,8 milhões de reais) à rede social de Mark Zuckerberg por usar informações sem autorização.
A segurança cibernética, por sua vez, transformou-se na principal preocupação dos investidores do mundo todo: 41% se disseram “extremamente preocupados” com esse assunto, segundo a pesquisa Global Investors Survey de 2018, publicada nesta semana pela PwC. “Um problema dos algoritmos é que carecem de contexto. Podem fazer maravilhosamente bem uma tarefa, mas, se você os tirar dessa atividade, vão falhar de maneira estrepitosa. Uma empresa que realizar uma fusão com outra terá que aprender a treinar de novo os algoritmos da companhia que absorver. Para isso, é preciso saber como eles foram criados”, afirma Moro, o especialista do MIT.
De volta à sala de monitorização da Indra, Rubio destaca as diversas utilidades que oferece aos clientes. Por motivos de confidencialidade, ele não pode falar das dezenas de empresas às quais fornece informação. Por isso, cita exemplos um tanto exóticos, como o turismo em Moçambique e os resíduos de Haro. Quando termina, a pergunta gira em torno da possibilidade de que os algoritmos tenham se transformado no tesouro mais valioso das empresas. “Definitivamente, sim”, responde, sem hesitar.
E os riscos? As máquinas assumirão o lugar dos humanos? “Isso é algo que preocupa. Tudo o que não conhecemos gera desconfiança. Mas a tecnologia nos permite limitar os riscos e aproximar as indústrias digitais das pessoas. O risco é inerente ao ser humano, não às tecnologias”, conclui Rubio.
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