quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Instrumento de redução

Porque é que a TV foi essa "caixinha que revolucionou o mundo"? Faço a pergunta e as respostas vêm em turbilhão. Fez de tudo um espetáculo, fez do longe o mais perto, promoveu o analfabetismo e o atraso mental. De um modo geral, desnaturou o homem. E sobretudo miniturizou-o, fazendo de tudo um pormenor, misturado ao quotidiano doméstico. Porque mesmo um filme ou peça de teatro ou até um espetáculo desportivo perdem a grandeza e metafísica de um largo espaço de uma comunidade humana. 

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Já um ato religioso é muito diferente ao ar livre ou no interior de uma catedral. Mas a TV é algo de minúsculo e trivial como o sofá donde a presenciamos. Diremos assim e em resumo que a TV é um instrumento redutor. Porque tudo o que passa por lá chega até nós diminuído e desvalorizado no que lhe é essencial. E a maior razão disso não está nas reduzidas dimensões do ecrã, mas no facto de a «caixa revolucionadora» ser um objecto entre os objetos de uma sala.

Mas por sobre todos os males que nos infligiu, ergue-se o da promoção do analfabetismo. Ser é um ato difícil e olhar o boneco não dá trabalho nenhum. Ler exige a colaboração da memória, do entendimento e da imaginação.

A TV dispensa tudo. Uma simples frase como «o homem subiu a escada» exige a decifração de cada palavra, a relação das anteriores até se ler a última e a figuração do seu sentido e imagem correspondente. Mas na TV dá-se tudo de uma vez sem nós termos de trabalhar. Mas cada nossa faculdade, posta em desuso, chega ao desuso maior que é deixar de existir. Mas ser homem simplesmente é muito trabalhoso. E o mais cómodo é ser suíno...

Vergílio Ferreira, "Escrever"

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