sábado, 7 de outubro de 2017

A distância entre Estado e cidadania

Existem sociedades sem Estado, mas não há Estado sem sociedade, porque ele é apenas a instância organizadora dos sistemas sociais quando o volume de população exige os cuidados para promover a segurança dos indivíduos, a integração social e o bem-estar coletivo. Assim, os cidadãos não devem admitir sua preponderância, mas os brasileiros aceitam isso nos momentos mais críticos, como vivemos agora.

O distanciamento entre o Estado e a sociedade começou no período colonial, quando a comunidade era submetida a rígido controle de Portugal, que sugava as riquezas sem deixar benefícios aqui. Houve esperança de que isso mudaria, após a Independência, mas o Estado foi apropriado pela elite formada pelos mesmos “homens bons” que, desde o início, controlavam o poder local e isolavam-se do povo. Sem participar do processo político, ainda hoje a massa percebe-o como uma instância que seria exclusiva das classes privilegiadas.

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Os brasileiros permanecem tão alheios ao Estado que não protegem os bens comunitários, justificando que são “do governo”. Esse patrimônio é, então, depredado para manifestar repulsa a governantes ruins. Há também sua apropriação individual, desde os camelôs que ocupam a calçada até os políticos que usam a estrutura oficial em benefício próprio. Ninguém reage a essas práticas porque a maioria tenta obtê-las para conseguir, algum dia, vantagens pessoais.

Essa postura permite que as autoridades construam sua carreira pelo atendimento aos interesses pessoais de seus eleitores, porque podem controlar seu curral eleitoral e introduzir agentes confiáveis na máquina pública. Isso lhes garante vantagens materiais imediatas e preservação da lealdade de seus protegidos e suas famílias. Essa estratégia sobrepõe-se ao atendimento de aspirações coletivas que viabilizariam o desenvolvimento regional, a ruptura da subserviência da população à classe política e o bem-estar comunitário como um direito reconhecido pelo Estado.

A preferência pela ação individualizada e a troca de favores condicionam a definição da cidadania dos brasileiros. Eles não se percebem como membros ativos do Estado, em que são tratados calorosamente pelos candidatos na época das eleições e ignorados pelos vitoriosos logo depois. Os eleitos isolam-se para evitar pedidos de emprego, ajuda material e intermediação de favores, mas livram-se, ao mesmo tempo, do cumprimento de promessas feitas durante a campanha. As barreiras ficam tão eficientes que a população não se torna protagonista do processo político, desistindo de suas reivindicações até o próximo pleito.

Os brasileiros irritam-se com a obrigatoriedade do voto, argumentando que não confiam nos políticos, mas negociam frequentemente seu apoio aos poderosos para obter privilégios. Isso inviabiliza a identificação correta de quem é corrupto e quem é corruptor. Fica patente apenas que candidatos e eleitores querem construir a própria trajetória sem preocupação com sólido projeto nacional.

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