sábado, 2 de setembro de 2017

Dar-se conta

Tem um personagem do Voltaire que um dia descobre, encantado, que falou prosa toda a sua vida. Pertencemos, simultaneamente, a várias categorias das quais não nos damos conta. Inclusive a dos prosadores. Qualquer pessoa sensata que parar para pensar na origem e na expansão do Universo e no que nos espera quando nosso Sol se extinguir ou explodir terá a mesma reação do personagem do Voltaire — só que, em vez de se encantar, pensará: “Isso não vai acabar bem...”. Não podemos pedir dispensa do Universo e suas convulsões por uma questão de consciência, alegando ser contra a violência. Nem fazer como aquela moça do interior que lia nos livros de Física sobre as leis da termodinâmica e da gravidade e suspirava porque nenhuma daquelas coisas excitantes acontecia com ela. Aconteciam, ela só não se dava conta.

Poluição no Planeta Terra...

Não tem sentido dizer “não entendo nada de economia”, como se a economia não tivesse nada a ver conosco, e ficássemos imunes às suas leis. Você está dentro da economia do seu país, queira ou não, entenda-a ou não. É um ser econômico até dormindo. A diferença entre a economia e o Universo é que, até agora, ninguém conseguiu alterar os processos cósmicos e as leis naturais, enquanto a economia de um país é uma questão de escolha. Você não pode viver socialisticamente num país capitalista, mas deve ter sempre em mente que existem alternativas, não importa o que dizem os economistas neoliberais. Estes prevalecem na falta de uma oposição consequente. Agora mesmo assistimos a uma tomada da economia nacional por uma ortodoxia neoliberal que é quase caricata na sua falta de pudor, incluindo cortes nos direitos de trabalhadores, cortes em programas sociais, em nome de uma austeridade letal para os mais pobres, privatizações sem justificativa a não ser a do entreguismo puro, leilão de grandes áreas do patrimônio nacional para espoliadores estrangeiros etc., etc.

Tudo isso é conosco, estamos metidos nessa violência como estamos metidos no Universo. Falta nos darmos conta de que outro Universo não é possível, mas outro mundo é.

Luiz Fernando Verissimo

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