O pleito de domingo passado fecha o ciclo do PT como protagonista principal da vida política brasileira. A passagem do 3º lugar para o 10º lugar no arco partidário, tendo obtido apenas 4,39% dos votos do país, é uma leitura que abriga outras: não houve golpe no impeachment de Dilma; Lula deixou de ser o bicho papão do palanque brasileiro; o petismo leva uma tremenda surra nos centros mais desenvolvidos e na própria região Nordeste, onde imperava. Mas o recado maior dos 118 milhões que compareceram às urnas foi este: esqueçam a lengalenga petista de anos a fio – “nós e eles”, responsável pelo apartheid que dividiu o Brasil em duas bandas: uma, a dos mocinhos, que o PT reivindicava como sua, e outra, que dizia ser ocupada pelas “elites e imprensa burguesa”.
Ao destamparem os dutos da corrupção, o mensalão, do governo Lula, e o petrolão, do governo Dilma, redefiniram os limites do céu e do inferno, jogando neste a cúpula petista que se julgava dona dos espaços celestiais. O rombo nas contas públicas e a devastação na paisagem social acabaram se juntando à trama da roubalheira para dar a mais contundente resposta social do eleitor a um partido político. A cabeça, o corpo e os braços do PT foram estraçalhados pela má condução da economia e pela corrupção. E por que outros partidos flagrados na boca da botija não foram punidos com tanta veemência pelos eleitores? Porque o PT foi o partido que vestiu o manto da ética. Recebeu o troco das urnas com juros e correção monetária.
Pawel Kuczynski |
Os maiores vencedores foram o PSDB, que obteve 26,81% dos votos, e o PMDB, com 17,38% dos votos. Os tucanos fizeram 791 prefeitos; já os peemedebistas continuam com o maior número de prefeituras, 1029, oito a mais do que o número alcançado em 2012, o que lhe dá a condição de partido mais capilar do Brasil. Os partidos que formam a base do governo ganharam 4.930 prefeituras entre as 5.568 existentes. Portanto, forma-se um gigantesco bloco de centro, com uma vertente mais forte, à direita, e um braço poderoso à esquerda, juntando ao lado do PSDB e do PMDB partidos médios como o PSD, PSB, DEM, PR, PRB, PDT e PTB. O PSOL, à esquerda, tem chances de elevar a cotação com a eventual vitória de Marcelo Freixo, no RJ.
A curiosidade faz perguntas: o PT será tragado? Não. Transforma-se em um partido dos grotões, pois dos 241 prefeitos que elegeu, mais da metade se localiza em enclaves de menos de 10 mil eleitores. O partido, que entra em profunda depressão, começa a fazer seu balanço, indicando mudanças na cúpula, no discurso e nas formas de operação. Se Lula voltar a comandar a sigla, isso não será proveitoso. Começa a ser contestado. Tarso Genro, da corrente Mensagem ao Partido, prega profunda mudança no PT, com a atração de jovens, a busca de movimentos sociais e a formação de um vasto bloco de esquerda. Para chegar ao porte de antes, deverá percorrer longa trilha.
Sua militância sofrerá as agruras do desemprego. Dos 25 mil cargos comissionados na área federal, os petistas, mesmo se escondendo como ratos nos porões da administração, estão sendo desalojados. Mais um contingente entre 50 mil a 60 mil sairá das hostes municipais com a derrota dos candidatos petistas. Terão menos 389 prefeituras. Mas não apenas o fator eleitoral devasta a nação petista. Lula está indiciado em processos. E, a qualquer hora, após condenação sob a toga da primeira instância do juiz Sérgio Moro, poderá ser apenado na segunda instância. Se receber esta condenação, perde a condição para se candidatar em 2008. Seria mais um tremendo golpe no lulopetismo. Nesse caso, o partido deverá enrolar sua bandeira vermelha e passar longa temporada no limbo, mais próximo ao inferno do que ao céu.
Expulso até do tradicional cinturão vermelho do ABC, onde tem sua origem, Lula não conseguiu eleger nem seu filho adotivo, Marcos, em São Bernardo. Em Osasco, não elegeu nenhum vereador. Mesmo assim, Luiz Inácio continua confiando em seu verbo roto: o PT sairá vencedor mais adiante, pois o governo Temer, segundo ele, não dará certo e, na esteira do caos, voltará aos braços do povo. Lula deve estar anestesiado para ser tão esperançoso. Nesses últimos dias, pode ter conversado muito com Deus.
Mas o maior fenômeno da campanha eleitoral foi João Doria, o tucano que ganhou o pleito na maior metrópole nacional, obtendo mais de 53% dos votos, ou 3, 085 mil votos. João vestiu o manto antipetista, expressou um discurso com foco na gestão, mostrou-se um empresário sem os vícios da velha política, teve a maior mídia eleitoral – em função da parceria entre PSDB e 12 partidos. De cara limpa, discurso apropriado, agenda que incluiu 9 meses de corrida intensa pelos 93 sub-distritos de São Paulo, passou a ser amplamente conhecido e angariou o voto útil contra o PT. Quando o eleitorado percebeu que poderia despachar Fernando Haddad logo no primeiro turno, o fez. Essa corrente se formou em dois dias – sábado e domingo da eleição.
Quem sobe com a vitória inesperada de João é o governador Geraldo Alckmin, que patrocinou sua candidatura. Alckmin apostou na candidatura do empresário e jornalista. João fez um bom programa de TV e rádio, escolheu Haddad como foco, mas foi educado. Não usou linguagem capenga. Saiu-se muito bem nos debates. A lógica da política eleitoral apontava para seu crescimento. Em 3 meses, subiu de 6% para 53,03% dos votos em São Paulo. Alckmin ganha fôlego para caminhar na direção de 2018. São Paulo é o maior colégio eleitoral do país com os seus 33 milhões de votos, o dobro de Minas Gerais.
Mas o Não Voto merece também destaque. Na média, abstenções, brancos e nulos chegam a 32,5% nas capitais. Só em São Paulo, os votos nulos, brancos e as abstenções somaram 3,096 milhões de votos. No Rio, este índice superou os 38%. Em Ribeirão Preto, chegou a 45%. E em mais de 10 cidades do país, ultrapassou a casa dos 50%. Infere-se, portanto, que este foi também o pleito da contrariedade, da indignação. Daí o recado: urge reformar a política.
Nenhum comentário:
Postar um comentário