sábado, 4 de junho de 2016

Sem prazo de validade

Se o governo Temer vier a cair, não terá sido por suas diferenças, mas por suas semelhanças e cumplicidades com a ordem deposta. O ponto nevrálgico é o mesmo: corrupção. Mas as proporções, pelo que até aqui se conhece, são outras.

Antes de mais nada, as delinquências do governo petista foram concebidas e praticadas no curso de sua gestão. No atual, o que há são os reflexos dessa parceria de 13 anos e meio, entre PT e PMDB. Não se registra nenhuma infração cometida após a posse.

O que pesa sobre Romero Jucá, por exemplo, não se refere a atos que tenha praticado como ministro de Temer. Idem o ex-ministro da Transparência, Fabiano Silveira. As gravações de Sérgio Machado, que ainda podem levar a novas degolas, precedem o impeachment. E há as delações de Nestor Cerveró e Odebrecht, que, mesmo atingindo mais o PT, contemplam também seus parceiros.

Temer, além de encontrar um país arruinado, é obrigado a servir-se do material humano disponível. As lideranças mais influentes no Congresso são figuras carimbadas, que não inspiram confiança. Mesmo assim, têm votos, sem os quais nada é possível fazer, a começar pelas mudanças na economia.

Numa conjuntura em que o presidente (suspenso) da Câmara, Eduardo Cunha, em que pese o seu obeso prontuário, ainda detém votos suficientes para sabotar iniciativas do governo, é possível visualizar as dimensões do desafio com que Temer se defronta.

Ei-lo, em síntese: sanear o país com parte dos que o poluíram. Nem todos os corruptos eram do PT, embora ali estivesse a chefia da quadrilha. Mas a parceria era pluripartidária, sem preconceitos ideológicos, incorporando eventualmente oposicionistas.

Vigeu o ecumenismo bandido, a coalizão pelo avesso. Alguns sobreviveram e aderiram à nova ordem, assumindo o tom moralista dos indignados. Política é também – e, às vezes, sobretudo - teatro.
Há grandes canastrões no Congresso, capazes de encenar os mais ecléticos scripts, sem que a maior parte da plateia os perceba.

Mas o radar da Lava Jato vem, aos poucos, detectando-os. Paradoxalmente, porém, o que é uma solução, do ponto de vista da moral pública, tornou-se um problema político.

A presença desses personagens – uns ocultos, outros nem tanto – mantém o ambiente tenso e impede que o mercado sinta que se está entrando numa fase de estabilidade, propícia aos negócios. No espaço de uma semana, dois ministros foram demitidos, não pelo que estavam fazendo, mas pelo que fizeram.

Quantos mais haverá? Eis uma pergunta que só a Força Tarefa pode responder, mas o fará gradualmente, pela própria natureza do ofício, que exige sigilo, cautela e respaldo judicial.

Como se sabe que o grau de comprometimento da classe política é bem mais amplo que o já exposto – e esta semana novas delações o demonstraram -, o governo pisa em ovos.

Além do dado concreto de uma economia em queda livre, com 11 milhões de desempregados – e, pior, sem perspectivas de se reempregar -, lida com um cenário marcado por suspeições, que não poupam o próprio presidente da República.

Mesmo dele, o que se diz é que “até aqui” nada lhe pesa contra – “mas não se sabe; afinal, foi o Lula quem o fez vice da Dilma, por duas vezes”. É verdade, mas, mesmo que isso não implique culpa prévia, confere conteúdo verossímil às especulações.

E é delas que se nutrem os defensores da ordem deposta, os que não conseguiram livrar-se do flagrante delito. Querem voltar, mas, mesmo com escassas chances e expectativas de consegui-lo, satisfazem-se em vingar-se dos antigos parceiros.

Governar sob a tutela de uma operação policial, cujo público-alvo é a classe política – tanto os que deixaram o poder como os que acabam de chegar -, retira do governante sua ferramenta básica: a firmeza nas decisões, que permite enfrentar pressões corporativas.

Isso explica o recuo no caso da fusão do Ministério da Cultura com o da Educação e a concessão à pauta-bomba do Congresso, que aumentou salários de servidores em plena fase de depressão econômica. Temer tem evitado confronto com grupos organizados, que se auto-intitulam “movimentos sociais”, cujo comando está no partido deposto.

O receio está no fato de que é refém não apenas da Lava Jato, mas também dos que com ela estão implicados, muitos dos quais figuram entre seus aliados. Em tal contexto, a pergunta é: qual o prazo de validade de seu governo?

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