quinta-feira, 23 de junho de 2016

As entranhas do poder postas à mostra pela Lava Jato

Dizer agora, depois que a operação Lava Jato vem exibindo as entranhas de nosso processo político-eleitoral, e depois do “envolvimento” do presidente interino Michel Temer, que o bicho pegou de vez, o que seria, para os derrotistas, o fim de mais uma experiência democrática no país, é precipitado. O sofrimento vai continuar, as mazelas serão grandes, mas os brasileiros saberão manter o respeito a nossas instituições democráticas. A Constituição de 1988 ainda será nossa guardiã. Concordo com o jornalista Ricardo Noblat, que, em sua última coluna em “O Globo”, disse que “estamos condenados ao sucesso, apesar do egoísmo das elites. Ou elas se renovam, ou serão atropeladas”, concluiu.

Na verdade, há tempos que o bicho já vinha pegando, mas ninguém aceitava – nem mesmo o PT, que surgiu com um belo discurso da ética na política – acabar com os meios ilícitos de se disputarem eleições. Partidos e candidatos buscavam recursos financeiros junto aos empresários, sobretudo de obras públicas, sem qualquer preocupação com sua origem. O pecado residia, apenas, em perder eleições. Declaravam parte do que recebiam à Justiça Eleitoral, e esta se dizia satisfeita com as informações. Com o advento do mensalão e, recentemente, com a operação Lava Jato, se iniciou a mudança do paradigma. A Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder Judiciário, representados por jovens atores, passaram a atuar com muito mais disposição. Essa mudança de comportamento diante da lei contou, também, com o apoio da população.

Michel Temer, pelos erros cometidos na formação de seu ministério, somados ao que disse o delator, aumentou por ora a capacidade explosiva da bomba posta debaixo de sua cadeira. Provavelmente, seja porque o que disse o delator não é a verdade, seja até mesmo por questão de datas, dificilmente será alcançado pelo que delatou o ex-presidente da Transpetro (cujas regras internas tornaram a Petrobras “a madame mais honesta dos cabarés do Brasil”).

Em relação ao presidente interino, o que houve (até agora) foi o seguinte: Temer solicitou ao delator Sérgio Machado a quantia de R$ 1,5 milhão para a campanha do candidato Gabriel Chalita à Prefeitura de São Paulo, em 2012. Em seu pedido, segundo o delator, “ficou muito claro, pelo contexto da conversa, que a solicitação envolvia a busca de recursos ilícitos de empresas que mantinham contratos com a subsidiária Transpetro, e que o dinheiro, depois, seria registrado na forma de declaração oficial”.

O difícil é disfarçar que esse tem sido, ao longo dos anos, com honrosas exceções, e não só depois da redemocratização, o “modelo” utilizado por partidos políticos, candidatos e eleitores aos mais diversos cargos eletivos. Fruto, sem dúvida, do patrimonialismo de um Estado corrupto. Talvez possa ter ficado fora a República Velha. Na época, o produto interno bruto era pouco atraente e não existia o “marketing político”. Nem por isso as eleições eram limpas e isentas das manipulações de poder.

Na entrevista ao penúltimo programa “Roda Viva”, o cientista político Antônio Lavareda, depois de observar que “a volta de Dilma é tão improvável quanto uma vitória do Lula na sucessão presidencial de 2018”, afirmou que os resultados obtidos na operação Lava Jato tornaram mais urgente uma reforma político-eleitoral, “que deveria começar por mudanças profundas no sistema utilizado nas eleições parlamentares”.

Lavareda defende, dentre outras medidas, “a adoção da cláusula de barreira e o fim das coligações nas eleições proporcionais”. A consequência do sistema utilizado hoje só poderia ser o Parlamento que temos aí, “no qual só 13% confiam”. Ou seja, só poderíamos eleger um Congresso fragmentado, que impede a governabilidade e estimula a corrupção.

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