quinta-feira, 14 de abril de 2016

O Brasil de hoje: de Maquiavel a 'Terra em Transe'

Aproveitei a semana que passou para revisitar “O Príncipe”, de Maquiavel. Num intérprete, encontro uma descrição do que é o governo Dilma Rousseff: “A figura da Fortuna representa, assim como a Virtù, uma das formas de aquisição do poder. Contudo, diversamente da Virtù, ela não garante a estabilidade. Para Maquiavel, aqueles que somente pela Fortuna de outros se tornam príncipes, sem grandes esforços, encontram sérias dificuldades em manter o principado. Tais apoiam-se exclusivamente na vontade e na Fortuna de quem lhes concedeu o poder, situação, segundo o autor, volúvel e instável. Diz Maquiavel que tais homens não sabem nem porque devem manter o principado, sendo que sempre viveram como particulares”. Na verdade, a citação só não serve porque fala em poder, quando o que Dilma se esforça é apenas para manter-se no governo.

Na luta travada entre as forças sociais, econômicas e políticas ditas de situação e oposição, ambas estribadas no vazio das palavras de ordem (“Impeachment já” X “Não vai ter golpe”), e na comparação entre quem cometeu mais falcatruas e praticou com mais afinco a corrupção – entre as duas cresce o atordoamento generalizado de uma população destituída do mínimo de consciência política.

Cresce a violência, decididamente lamentável é a perda do emprego, única forma de um homem se sentir digno. Na beleza dos versos de Gonzaguinha, “sem seu trabalho, o homem não tem honra, e sem sua honra, se morre e se mata” (“Guerreiro Menino”). Ódio nos olhos das pessoas, que miram com olhar vazio a frente, ou que enfrentam as outras pessoas, verdadeiras hordas, cuja única diferença reside na cor da roupa que usam: umas, vestidas de vermelho, as outras, de verde e amarelo.

Tudo parece derreter, perdendo a aparência de formas instituídas e constituídas. Voltamos à pura barbárie.

Não sei se lamento mais por aqueles que dançam nas ruas nas imensas manifestações pró-impeachment aos domingos (com ex-petistas desiludidos ou irados) ou se choro diante das multidões dirigidas por sindicatos, partidos populares e centrais sindicais, entoando frases contraditórias entre si: “não vai ter golpe” e “não ao ajuste fiscal e à reforma da Previdência”. Calada, vejo crescer os que repudiam toda forma de política e repudiam todos os que têm vida pública. Vamos cada um cuidar de nossa vidinha diária, no conforto ou no inferno do dia a dia?

Melhor rever agora “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, no qual, segundo Paulo Emílio Salles Gomes, em adaptação livre de minha parte, “a realidade como um todo elabora o que pode ser chamado o tema da ‘diferença aparente’”. Dilma e “Temerécio” parecem ocupar lugares opostos no espectro político, mas o contraste entre eles funciona, num nível mais profundo, como uma irônica “mise-en-equivalence”, pois forças históricas mais fortes que todos tornaram suas posições convergentes...

Infelizmente, quem primeiro reconheceu que são iguais foi a presidente e os que a apoiam, ao repetir que “todos os governos fizeram o mesmo”.

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