quinta-feira, 14 de abril de 2016

Na forma da lei, Michel Temer assumirá o governo no domingo

Reina a confusão no Congresso e na imprensa, com o Senado e os sites dos grandes jornais anunciando que a presidente Dilma Rousseff não será automaticamente afastada, se o plenário da Câmara aprovar o processo de impeachment neste domingo. Pelo contrário, os sites dos grandes jornais, como Folha e Estadão, afirmam que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ainda vai definir o rito do processo e já até iniciou negociações com as lideranças. E o pior é que essas matérias ficcionais dizem também que a assessoria técnica do Senado prevê que, em caso de autorização da abertura do impeachment pelo plenário da Câmara, o Senado só deve votar no dia 11 de maio o pedido de instauração do processo, para que finalmente ocorra o consequente afastamento automático de Dilma, se os senadores assim entenderem.

“Essa decisão – que será tomada pela maioria dos senadores presentes em plenário – é crucial porque a partir dela o vice-presidente Michel Temer assumirá o cargo por até 180 dias, caso o julgamento da presidente não seja concluído até esse prazo“, afirma uma dessas sensacionais matérias, que merecem disputar o prêmio de Piada do Ano.

Provoca surpresa o fato de que os jornalistas ditos especializados e a assessoria técnica do Senado fiquem fazendo elocubrações, ao invés de simplesmente consultarem a Lei 1079, conhecida como Lei do Impeachment, que continua em vigor, porque o Supremo Tribunal Federal, ao fazer estranhas “inovações” no rito, não teve a ousadia de interpretá-la a seu bem prazer, como fez em relação ao Regimento Interno da Câmara, por obra e arte do ministro Luís Roberto Barroso, que decididamente não faz jus à toga que enverga.

Se tivessem se dado ao trabalho de consultar a Lei 1079, jornalistas e assessores tomariam conhecimento de que Dilma Rousseff será afastada de imediato, assim que receber o chamado “decreto de acusação”, a ser emitido pela Mesa da Câmara logo após a votação. Como dizia nosso amigo Francisco Milani, vamos deixar de chorumelas e mostrar logo o texto do dispositivo específico da legislação que rege a matéria, com destaque especial para os parágrafos 5º e 6º:
Art. 23. Encerrada a discussão do parecer, será o mesmo submetido a votação nominal, não sendo permitidas, então, questões de ordem, nem encaminhamento de votação.
1º Se da aprovação do parecer resultar a procedência da denúncia, considerar-se-á decretada a acusação pela Câmara dos Deputados.
2º Decretada a acusação, será o denunciado intimado imediatamente pela Mesa da Câmara dos Deputados, por intermédio do 1º Secretário.
3º Se o denunciado estiver ausente do Distrito Federal, a sua intimação será solicitada pela Mesa da Câmara dos Deputados, ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado em que ele se encontrar.
4º A Câmara dos Deputados elegerá uma comissão de três membros para acompanhar o julgamento do acusado.
5º São efeitos imediatos ao decreto da acusação do Presidente da República, ou de Ministro de Estado, a suspensão do exercício das funções do acusado e da metade do subsídio ou do vencimento, até sentença final.
6º Conforme se trate da acusação de crime comum ou de responsabilidade, o processo será enviado ao Supremo Tribunal Federal ou ao Senado Federal.
Como se vê, o Senado nada tem a ver com o afastamento provisório da presidente Dilma Rousseff por até 180 dias, conforme determina a Constituição.

Muito pelo contrário, no artigo 23 da Lei do Impeachment o Senado só vem a ser mencionado em seu parágrafo 6º, quando fica determinado que o “decreto de acusação” será encaminhado ao Senado pela Câmara, para julgamento em caso de crime de responsabilidade.

Se for mantida a programação já aprovada pelos líderes partidários, a sessão final será aberta no domingo às 14 horas, para enfim proceder à votação do parecer já aprovado na Comissão Especial. Se o plenário aceitar a abertura do processo, o que já está mais do que garantido, com o placar do Estadão agora em 332 a 124 (faltam apenas 10 votos a favor do impeachment, e há 57 indecisos), a Mesa da Câmara vai expedir de imediato o “decreto de acusação”, que o primeiro-secretário levará pessoalmente ao Palácio Alvorada, para entregá-lo a Dilma, em forma de “intimação”, vejam que constrangimento.

Com isso, o vice-presidente Michel Temer assume automaticamente o governo, que não pode ficar acéfalo, e ele nem precisa tomar posse, até mesmo porque não há quem possa lhe transmitir o cargo. Portanto, basta ele se encaminhar ao Palácio do Planalto, sentar-se à mesa do gabinete presidencial e iniciar os trabalhos.

Sua posse definitiva, em cerimônia oficial do Congresso, só ocorrerá depois que o Senador aprovar o impeachment da presidente Dilma Rousseff, como ocorreu com Itamar Franco, que assumiu o governo em outubro de 1992, quando houve a aprovação do impeachment de Collor na Câmara, mas só tomou posse definitivamente depois do referendo pelo Senado, no final de dezembro daquele ano.

Quanto ao rito no Senado e à consulta que Renan pretende fazer ao Supremo sobre a forma de proceder, nada disso interessa. Se a Câmara aprovar o impeachment, Temer assume, muda o ministério, começa a nomear os postos mais importantes do segundo escalão da República e a vida continua, pelo menos até o Tribunal Superior Eleitoral decidir as ações em andamento, que podem causar o cancelamento do registro da chapa da qual Temer participou com Dilma na eleição de 2014, e há amplas possibilidade de cassação de seu mandato.

Mas esse julgamento só ocorrerá em 2017, e o suspense jurídico vai se perpetuando.

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