Na verdade vivemos em processo de expiação de uma grande culpa coletiva, na euforia do porre de cidadania pela recém-conquistada redemocratização dos anos oitenta, quando cometemos o irresponsável erro de ter mitificado um líder sindicalista como candidato a estadista nacional. Ou como “nosso guia” na irônica expressão do jornalista Elio Gaspari. Estamos em processo de catarse coletiva ou, para os mais folclóricos, em plena pajelança por termos todos nos enganado tanto. Se a vergonha da goleada da Copa foi um prenúncio do tombo nacional, o país ainda não caiu em si pelo desastre que se aproxima. Rebolamos na beira do precipício, atraídos pela mórbida adrenalina de despencar para a morte como preferiu Zumbi. Como nos ensina nosso livre-pensador Millôr Fernandes sobre o valor da liberdade: se não morremos por ela, a conspurcamos com a libertinagem. Pois só achamos que nossa liberdade começa quando acabamos com a do próximo.
Rompemos com a moral vigente do carnaval “estendido”, onde as pequenas transgressões do dia-a-dia não são cobradas pelo dever cívico que não aprendemos em casa ou na escola, para não enfrentar a grande ruptura política que a modernidade nos exige. Conquistamos nas últimas décadas excelências em todas as áreas da expressão cultural de um povo. Das artes, esportes, engenharias e medicinas. Mas numa única não avançamos nada: na cultura política que nos joga todos irremediavelmente pra baixo, derrubando todas nossas conquistas setoriais. Pois a política é a atividade de maior abrangência social do homem e tem o dom de contaminar todas as demais.
Se nos enganamos tão redondamente quando colocamos o Lula lá, talvez pela fantasia romântica de experimentar um novo paradigma da cultura política, chegou a hora de não mais estender esta lição que nos tem custado tão caro. Espero que tenhamos todos aprendido a não mais tentar a heterodoxia, não apenas na economia, mas sobretudo na política. Se Lula significou a esperança vencendo o medo, como lembrou de maneira magistral a ministra Cármen Lúcia no julgamento do mensalão: “não podemos permitir que o cinismo venha a vencer o medo, e agora o escárnio venha a vencer o cinismo”. Se não podemos contar com parte de nossas “elites” que persiste em corromper mandatos e agentes públicos, temos de apostar em parcelas cada vez maiores de cidadãos e cidadãs que resolveram se manifestar nas ruas, nas redes sociais e nas poucas brechas que lhes restam da grande mídia. Sobretudo por parte de jornalistas já cansados do noticiário repetitivo e sensacionalista da política profissional e mais esperançosos e dedicados ao jornalismo cívico. Se somos vinte milhões de cidadãos e cidadãs a recusar a cada uma das últimas eleições que a nobre arte da política seja corrompida pela tentação demagógica da marquetagem eleitoral, com certeza este capital da nova cultura política se compõe de dez a vinte por cento de formadores de opinião e mobilizadores sociais. Por isso é que há dois anos venho investindo no que temos identificado como Agentes de Cidadania, cidadãos e cidadãs que, embora ainda invisíveis na grande mídia, se dedicam em mais de três mil organizações sociais, movimentos e associações civis à árdua luta contra a corrupção, pela transparência da gestão pública e fiscalização de mandatos políticos, orçamentos e desempenho de instituições públicas. Assista a nosso vídeo de lançamento do programa em plena eclosão das manifestações de 2013.
E divirtam-se bastante neste carnaval da libertinagem política. Pois muito em breve teremos de trabalhar duro, os cidadãos engajados em libertar a política da delinquência dos políticos
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