segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Antonio e a luz

“Nosso problema não é econômico. É politico. E a gente esta quase resolvendo. Já da para ver a luz no fim do túnel”, disse ele. Respeitava muito Antonio. Suas opiniões, integridade, inteligência e honestidade intelectual. Difícil ignorar este pacote de virtudes, cujo sabor vinha acompanhado de humor ácido e carismático. E Antonio sempre foi pragmático. “Melhor estar certo do que ser coerente”, repetia sempre.

Do meu lado, em 1990, enxergar a luz no fim do túnel era coisa para sonhadores. Hoje sei que fui parte de geração órfã de esperança. Que nasceu e cresceu ao som (ou barulho) da propaganda do Brasil grande durante a ditadura. Por toda parte, diziam que era potencia emergente, pais do futuro, que vai para frente. Que ninguém segurava. E, de vez em quando, um sussurro aqui, um gemido ali, e dor por toda parte. Sempre vindo dos porões.

Adolescente, as coisas começaram a mudar. Diziam que era culpa do petróleo. Crise externa, enfim. Mas dentro das fronteiras, o futuro já não tinha o brilho de antes. E o presente, sem duvida, estava mais feio.

E vieram os anos 1980. Desastre. O futuro havia chegado, mas tinha cara de mentira, desilusão, tristeza. A gente não soube escolher presidente. A gente não soube tomar conta da gente. A gente pediu dinheiro e não conseguiu pagar. A gente jogou bola e não consegui ganhar. Foi, realmente, uma década inútil.

Mas Antonio via as coisas diferentes. Dizia que, se a gente olhasse de uma perspectiva histórica, o país tinha avançado muito no ultimo século. Que a crise era passageira. Explicou-me que, antes do século XX, nem manteiga era industrialmente fabricada no Brasil. Era muita informação. E bons argumentos. Na falta da internet para verificar cada detalhe dos argumentos, Antonio me convenceu. Comecei eu também a procurar a luz no fim do túnel.

Vieram os anos 1990 e a luz parecia jamais chegar. Era uma no cravo, outra na ferradura. Sempre um sacrifício justificado pelos erros do passado e somente possível pela promessa de um futuro (ele de novo) melhor onde os frutos seriam colhidos.

Já na passagem do milênio, pareceu que a geração dos órfãos de esperança poderia ser resgatada. Eleições, transição pacifica, casa em ordem. Finalmente tanto sacrifício, tanto esforço, parecia fazer sentido.

Até que a gente decidiu pela auto sabotagem. Pelo culto a ignorância. Pela tolerância ao erro. Pela corrupção da alma e das coisas. Tudo isto enquanto, distraídos, pisávamos nas estrelas, empenhando o futuro para aproveitar o presente. Acreditamos no almoço grátis.

E foi no meio disso tudo, que um dia Antonio me ligou. “Me mudo para a Europa no mês que vem. Não volto mais!”, disse ele. Fiquei chocado. Lembrei-me de seus argumentos. Da crise passageira. Da manteiga. Perguntei sobre a luz no fim do túnel. Não existia? “Existia sim. Era um trem.”, respondeu ele sem pestanejar.

Antonio, sempre pragmático, preferiu estar certo a ser coerente. E foi morar na Europa.

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