O Congresso chantageia o país a céu a aberto. Põe a faca no pescoço dos brasileiros e diz: “Ou as emendas ou a vida”. Valentes parlamentares — não todos, é claro! — ameaçam a estabilidades, apostam no impasse, exigem que a Constituição seja violada, cobram que uma decisão unânime do Supremo seja ignorada e, parafraseando Tarcísio de Freitas, anunciam: “Não estamos nem aí…” A recompensa pela pistolagem é boa. Fala-se aqui de muitos bilhões.
Antes que siga, uma constatação: vocês sabem quanta porrada levou o governo do valente colunismo nativo — quase uma unanimidade — porque o pacote de corte de gastos, afinal, não propôs enforcar miserável com tripa de aposentado, ainda que atinja, sim, também os mais pobres. O “erro”, disseram os corajosos sabujos “duzmercáduz”, foi misturar isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil — medida neutralizada, se e quando aprovada, com a elevação do IR para quem recebe dividendos acima de R$ 50 mil — com ações de contenção de despesas. Teria passado a impressão de que Lula tentou uma compensação.
Ainda que fosse assim, qual o problema? Ou é uma conversa de gente disfuncional ou é papo-furado de safados. Como o dólar tem fechado acima de R$ 6, adivinhem… Se o Copom der uma pancada de um 1 ponto percentual na taxa de juros, talvez os “patriotas” se acalmem um tantinho. Já andei lendo aqui e a ali: só 0,75% de elevação da Selic não vai acalmar a sede dos canibais. Eles querem um copo de sangue maior, para lembrar personagem da Revolução Francesa. Os mesmos que fazem projeções catastrofistas haviam antevisto um crescimento de 1,5% neste ano. É uma gente que erra todas, mas sempre em seu próprio benefício. De volta ao pacote de corte de despesas e às emendas.
É mentira — pura e simplesmente assim: mentira — que as “exigências” do ministro Flávio Dino para a liberação de emendas ignore o texto votado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Lula sem vetos. A verdade está precisamente no oposto. Foi o Congresso que ignorou o que se havia acertado na conversa entre os Três Poderes, como Dino deixa claro em sua decisão, cuja íntegra está aqui.
O que o ministro pede de tão formidável que o Congresso não pode entregar? Que se saiba quem assina as emendas de bancada? Que exista um plano de trabalho para as emendas pix e que os gastos sejam supervisionados pelo TCU? Que ONGs nababescas tenham um site para demonstrar em que gastam as verbas multimilionárias que recebem? Estamos falando de fontes permanentes de escândalos, de aberrações.
Uma entidade levou R$ 90 milhões para promover jogos eletrônicos em escolas, e o custo do aluguel por 10 meses de seus laptops é de R$ 35 mil, quando a aquisição de um aparelho novo no mercado vale um sexto. Uma outra levou R$ 137 milhões para cursos de qualificação profissional de maquiadores, cabeleireiros e designers de sobrancelhas. Entre os contratados, há professores de boxe, jiu-jitsu e futebol. É uma esbórnia. Mas, claro!, Dino exigir que tais cabeças de porco digam onde gastam os bilhões dos contribuintes parece mesmo uma coisa acintosa. Cadê a indignação dos nossos jacobinos dos gastos, da evolução da dívida pública, do equilíbrio fiscal? Essa gente não é contra a lambança, mas contra o governo.
O regime que está em curso no Brasil não é presidencialista, não é parlamentaristas, não é semipresidencialista… Vivemos sob um regime “sequestrista”. O Congresso resolveu sequestrar o Orçamento e se comporta, diante do Executivo, como uma espécie de organização criminosa. Ou o presidente Lula dá um jeito de liberar ao menos R$ 8 bilhões em emendas, ou não tem pacote fiscal, como se o prejuízo de não se votarem as medidas fosse exclusivamente do governo.
Pior: uma tese conspiracionista se espalha — com auxílio de certa prática que lembra remotamente jornalismo, mas que é só um braço do banditismo —, segundo a qual Dino estaria operando em parceria com o governo federal, o que é escandalosamente falso. A ADPF do PSOL — que resultou na liminar que suspendeu as emendas, ora liberadas, mas com critérios — nunca teve vínculo com o Planalto. Ao contrário: houve até uma indiscreta insatisfação oriunda de certas áreas do governo porque, afinal, ele sabe muito bem com quem está lidando. A AGU, note-se, recorreu contra a decisão do ministro, mas teve rejeitado o seu pleito.
Atenção! A Consultoria do Senado elaborou uma nota técnica, cuja íntegra está aqui, deixando claro que o Projeto de Lei Complementar para conferir “transparência” às emendas não atendia às exigências feitas pelo STF e acordadas entre os Três Poderes. Lá se lê:
“O projeto não responde a praticamente nenhuma das exigências colocadas por essas duas fontes normativas: de 14 critérios e parâmetros identificados, apenas 3 deles são atendidos substancialmente pelos dispositivos do projeto, e, ainda assim, esses 2 quesitos já constam dos normativos vigentes”.
Mais ainda:
“Todos os demais requisitos não foram atendidos, quer por ausência completa de menção a eles no projeto, quer por dispositivos do projeto que, aparentando abordar o requisito, terminam por negar-lhe cumprimento.”.
O regime Sequestrista vigente no Brasil entende que os senhores parlamentares não estão sujeitos às exigências de transparência no gasto do dinheiro público, conforme exige a Constituição.
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