sexta-feira, 8 de novembro de 2024

A volta do fantasma de Bolsonaro

Fantasma. Substantivo masculino. Imagem fantasiosa e ilusória que infunde terror e medo. Desde a violenta pantomima de 8 de janeiro de 2023, dia de uma tentativa de golpe insuflado pelo clã Bolsonaro, eu parei de mencionar esse nome na coluna. Não foi promessa. Tinha se tornado um nome indizível – e, felizmente, inelegível. Melhor não valorizar assombrações, porque elas podem voltar.

O fantasma voltou, com a vitória avassaladora de Trump. Louvo o enorme esforço dos colunistas políticos para explicar a nós e ao mundo o porquê de um placar tão surpreendente. Uma hora é a economia, estúpido – são os altos preços nos supermercados, os aluguéis caros e os baixos salários. Outra hora é a revanche contra elites intelectuais. Ou a repulsa a imigrantes. Ou a idolatria às armas. Ou a aversão ao aborto. O que seja.


A desilusão mundial com a política convencional também é responsável pelos votos de vingança. Há um claro prazer em votar contra, por ressentimento. É uma catarse do povão que não se vê representado por ninguém – e adora candidato grosseiro que fala palavrão e imita sexo oral com microfone. A Oposição tem feito estragos em eleições. Por isso, 2026 é um ano que pode legitimar versões pioradas de Bolsonaro. Elas marçalam por aí.

Os brasileiros não se interessaram pela eleição americana apenas porque os EUA são uma superpotência nuclear, econômica, militar. Pensamos em nosso futuro, nossas florestas, nossos empregos, nossos filhos, nossa saúde, nossa paz. E sabemos que grande parte do eleitorado no Brasil apoia Trump e seu amigo tosco brasileiro.

“Não fiquem desesperados”, discursou Kamala, e seu sorriso exibia um travo amargo. Moças choravam. Não há como não sentir desespero diante de tanto poder dado a Trump. Um convidado na festa no resort de Mar-a-Lago era Eduardo Bolsonaro. Seu pai, condenado pela Justiça, quer o passaporte de volta para celebrar a vitória do ídolo nos States. Soa a pesadelo. Uma coisa é a afinidade com Milei, outra o apoio de Trump.

É preciso, sim, respeitar o voto popular. E o Brasil tem de perseguir uma relação pragmática com Trump. Mas o futuro dá medo. Sabemos o que foram os quatro anos de Bolsonaro, aprendiz do trumpismo. A ignorância e a crueldade durante a pandemia. Muita gente esquece e minimiza o estrago, as mortes. O vandalismo contra nossa democracia.

Se existe algo que torna o Brasil superior aos EUA diante dessas duas figuras políticas, é a Justiça. O STF tornou Bolsonaro inelegível. Mas Trump pôde se candidatar como se não fosse um criminoso condenado. Muito antes de tudo isso, nossa democracia havia falhado ao não cassar o mandato do então deputado Jair Messias Bolsonaro quando ele elogiou publicamente, na Câmara, um torturador, o coronel Ustra. Estava tão claro, ali, o ovo da serpente.

Leio um livro oportuno. “Autocracia S.A. – os ditadores que querem dominar o mundo”, de uma ex-colunista do Washington Post, Anne Applebaum, ganhadora do Pulitzer. “Todos temos na mente uma imagem caricata do Estado autocrático. Há um homem mau no topo. Ele controla o Exército e a polícia. Que ameaçam as pessoas com violência. Há colaboradores malvados e, talvez, alguns bravos dissidentes”.

No século XXI, escreve Anne, “essa imagem tem pouca semelhança com a realidade. As autocracias são governadas não por um cara malvado, mas por sofisticadas redes. Escoradas em estruturas financeiras cleptocráticas, um complexo de serviços de segurança, e especialistas em tecnologia que fornecem vigilância, propaganda e desinformação”.

Deu na Bloomberg: com a eleição de Trump, a fortuna dos 10 mais ricos do mundo subiu US$ 64 bilhões em um único dia, um recorde histórico. Elon Musk foi o maior vencedor, com US$ 26,5 bilhões.

No creo en brujas, pero que las hay, las hay.

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