Vivemos, no entanto, no tempo em que apenas se privilegia o imediatismo e a reação rápida, como se o mundo fosse acabar no minuto seguinte. O tempo em que, a qualquer momento, todos os assuntos são discutidos com o ardor enviesado e incendiário com que, desde há duas décadas, se convencionou que deviam ser os programas de televisão sobre futebol: duelos permanentes, com os intervenientes tantas vezes a roçarem o insulto descarado, em que a gritaria é norma, a interrupção é o truque mais usado e os argumentos são apresentados sem a mínima preocupação com a verdade, mas apenas para defender as cores do seu clube.
Este estilo de debate saltou do futebol para a política – às vezes, até com os mesmos protagonistas – e, de repente, com o impulso das redes sociais, acabou por contaminar todo o espaço público. Qualquer que seja o assunto, todas as pessoas acabam divididas entre as que estão a favor ou contra – como se a vida tivesse de ficar reduzida à escolha permanente entre “gosto” e “não gosto” inventada pelo Facebook. A polarização tornou-se a norma, com o confronto crispado entre ideias feitas e certezas absolutas a ser sempre privilegiado, em detrimento da reflexão e da busca de dados objetivos que ajudem a compreender ou a decifrar uma realidade complexa.
“A polarização é um modelo de negócio”, disse há pouco tempo Martin Baron, depois de se reformar do jornalismo, com algum desencanto assumido, após uma carreira extraordinária em que dirigiu com mestria três grandes instituições da imprensa americana: o The Washington Post, o Miami Herald e o The Boston Globe (onde ficou imortalizado no cinema em O Caso Spotlight). Percebe-se o seu ponto de vista: o confronto exacerbado, que procura provocar fúria, raiva e tensões entre o público, tornou-se a ferramenta mais usada para tentar captar audiências. Algumas técnicas ou estilos noticiosos que eram distintivos da chamada imprensa tabloide estão agora disseminados por todos os órgãos de comunicação social. E em tempo de crise e de quebra de confiança, a batalha pela atenção do espectador ou do leitor fica ainda mais à mercê dos ditames do algoritmo que, nas redes sociais, amplifica as polémicas e dá reconhecimento às maiores alarvidades. Com a consequência a que temos assistido: a cobertura jornalística dos temas importantes começa a ficar cada vez mais reduzida à discussão acalorada, e resumida a poucos pontos, entre figuras dos extremos opostos do espectro político. Ou seja, a polarização vai-se autoalimentando e, com ela, desaparece qualquer resquício de bom senso ou de sensatez que ainda pudesse existir – mas que nos faz tanta falta.
Os populistas são exímios no manejo desta técnica e usam-na, diariamente, como uma espécie de armadilha para tentar condicionar os temas em debate público. Como temos visto, qualquer que seja o pretexto, André Ventura convoca quase todos os dias os jornalistas para prestar declarações ou apresentar tomadas de posição, com a preocupação de ocupar qualquer espaço que esteja momentaneamente vazio nas televisões ou nas rádios. As intervenções são sempre em direto e, na maioria dos casos, com uma duração que a mensagem não justificava – até porque, quase sempre, se resume a um slogan com não mais do que meia dúzia de palavras.
Graças a diretos diários e acríticos, os populistas vão ganhando espaço e fomentando a polarização. De microfone sempre aberto, é-lhes permitido dizer as maiores falsidades e proferir as acusações mais graves, sem contraditório nem enquadramento. Ao aceitar esse papel, amorfo e absolutamente dependente da ditadura do algoritmo, o jornalismo acaba por perder credibilidade. E qualquer réstia daquilo que devia distingui-lo: informar com independência e sensatez.
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