A realidade é de derreter o mais empedernido ceticismo em relação à ciência, mas os negacionistas ainda tentam construir respostas usando palavras como “desentendimento” e “narrativas”. O delegado Ramagem é apenas a face mais visível do fiasco de Jair Bolsonaro em seu reduto. O que é realmente importante é o drama que o país está vivendo.
Não há controvérsia de que a mudança do clima é um risco existencial para os seres humanos e que ele está diante de nós brasileiros no ano mais devastador que vivemos. Em maio, o Rio Grande do Sul naufragou numa inundação catastrófica, agora a seca devasta quase todo o país, a fumaça de incêndios criminosos invade os pulmões dos brasileiros contratando doenças presentes e futuras, a Amazônia enfrenta a segunda estiagem severa consecutiva. E nada disso está refletido nos debates eleitorais.
O Brasil realiza uma eleição em 5.569 municípios e esse assunto passa de raspão nos debates entre candidatos, nos programas, e nas discussões. Deveria ter a centralidade que tem o problema hoje no país. O Brasil está sufocando, mas o que atraiu até agora mais atenção foram as performances canhestras de um farsante, com suas mentiras patéticas e seus truques surrados.
O Congresso esta semana parecia habitar outro planeta. Ele agregou à sua agenda antiambiental um comportamento totalmente alienado. Mergulhou em si mesmo e lá ficou impermeável à realidade. Voltará ao tema do meio ambiente toda vez que houver oportunidade de atrapalhar e agravar a situação.
O governo enviará as propostas de um arcabouço para enfrentar a médio e longo prazo esse problema, com a criação da Autoridade Climática, o Comitê Científico, o plano de enfrentamento dos efeitos da mudança climática e o estatuto jurídico da emergência climática. Com leis e órgãos, o Executivo quer organizar a forma de atuar diante dos desastres que virão. Certamente o Congresso criará dificuldades, e uma já está desenhada, a de tentar levar para a Casa Civil a Autoridade Climática, caso a aprove. O problema é que foi exatamente na Casa Civil que essas propostas do Executivo ficaram estacionadas por tempo demais.
A mudança climática é um fenômeno global, ela atinge todos os países, mas acontece nos municípios. É em São Paulo que há uma semana não se respira, foram as cidades gaúchas que tiveram que buscar forças para emergir das enchentes, são as cidades da Amazônia que furam poços atrás de água. Por isso é tão impressionante que este não seja o tema central dessa campanha eleitoral. Candidato que ignora o risco ameaça a vida do cidadão.
Em debate na semana passada na Livraria Travessa, no Rio, o jornalista Claudio Ângelo e o engenheiro florestal Tasso Azevedo falaram da pesquisa que fizeram durante três anos para escrever o excelente “O silêncio da Motosserra: Quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia”. O livro fala com profundidade da relação do Brasil com a maior floresta tropical do mundo, com seus erros e acertos, e foca nos anos em que foi possível reduzir em mais de 80% o desmatamento na Amazônia. Com essa experiência vitoriosa, de 2005 a 2012, como pano de fundo, os autores disseram que o desmatamento zero está ao nosso alcance, mas não é mais suficiente.
O que era a resposta desejável até há pouco tempo ficou insuficiente pelo aumento do patamar do desafio climático. O cientista Carlos Nobre, em entrevistas durante a semana, alertou que o mundo chegou à elevação de um grau e meio na temperatura, sete anos antes do previsto pela ciência. E ele, um dos maiores climatologistas do mundo, se diz perplexo com o ritmo da aceleração do aquecimento global.
As eleições municipais de 2024 estão sendo uma oportunidade perdida. Agora era a hora exata de os candidatos mostrarem aos eleitores suas propostas para enfrentar o risco que nos assombra.
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