Já se sabia que esses diálogos existiam desde que Eduardo Tagliaferro, ex-perito criminal do TSE, foi preso por agressão à mulher em maio, em São Paulo. Frustrado na expectativa de ser ajudado por ministro que já foi secretário de Segurança paulista, Tagliaferro também foi demitido um mês antes de Moraes deixar a presidência do TSE.
O momento em que o arsenal do ex-perito vem à tona é mais eloquente do que o conteúdo até aqui divulgado. Menos de 24 horas depois, deu-se nova exibição da mediocridade histriônica de Pablo Marçal, no debate de “O Estado de S.Paulo” com candidatos à prefeitura da capital.
Marçal está a negócios na disputa. Com os cortes dos ataques, tem multiplicado seus seguidores nas redes, que se iniciaram com o marketing da pilantragem (“aprenda inglês dormindo”) e se firmaram em comunidades de extrema direita afeitas a armas e a discurso de ódio contra mulheres. Além de investir nos negócios que duplicaram seu patrimônio em um ano, mantém mobilizada a comunidade bolsonarista raiz.
Apesar de o ex-presidente apoiar formalmente outro candidato, o prefeito Ricardo Nunes, é Marçal quem atiça sua base para que possa ser mobilizada em momentos como este, de ofensiva contra o alvo número 1 do bolsonarismo. A nacionalização da campanha é diferente daquela imaginada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Marçal não teria como fazer tão bons negócios nem prestar serviços ao bolsonarismo se uma legislação efetiva contra notícias falsas já tivesse sido aprovada. A extrema direita no Congresso pressiona contra sua aprovação e o Centrão cede a seus caprichos porque deles faz uso.
Moraes milita por esta lei, mas inexiste meio de campo capaz de negociar sua aprovação em troca da conclusão dos três inquéritos que dirige, das “fake news”, milícias digitais e tentativa de golpe, e que lhe proporcionam concentração de poder inaudita.
O primeiro, também chamado de inquérito do “fim do mundo”, já tem cinco anos. A prorrogação tem sido justificada pelo fracasso em institucionalizar o combate às notícias falsas com uma lei. Na presença do inquérito e na ausência da lei, surge Marçal.
Enquanto o candidato do PRTB aloprava no debate, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado derrubava trecho de decreto presidencial que proibia a instalação de clubes de tiro a menos de um quilômetro de escolas - outra demonstração de força do bolsonarismo do momento.
Moraes não parecia desconhecer seus excessos. O recuo dos últimos meses ganhou tração com a soltura do ex-diretor geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques e do ex-assessor de Bolsonaro Felipe Martins. Não adiantou. Até porque a roda não parou de girar.
A reportagem já estava no ar quando o ministro autorizou o bloqueio das redes sociais do senador Marcos do Val (Podemos-ES) e de sua conta bancária. O senador fez publicações contra delegado da Polícia Federal executor de ordens emanadas do inquérito do 8 de Janeiro. Do Val ainda publicou vídeos de crianças criticando o delegado. As crianças são filhas do blogueiro Oswaldo Eustáquio, que moram em Brasília. O blogueiro, que está foragido na Espanha, teve prisão determinada por Moraes.
Na manhã desta quarta-feira, Do Val lançou-se candidato à presidência do Senado tendo por bandeira o impeachment de Moraes, que acabou de ganhar outro pedido, do senador Eduardo Girão (PL-CE). O bolsonarismo não tem os 54 votos para isso, nesta legislatura. A candidatura, nesse clima de acirramento com o STF, é água no moinho favorito, o do senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Para conter as pretensões bolsonaristas à mesa, o presidente da CCJ do Senado se enche de argumentos para arrancar mais concessões do Executivo aos seus feudos. Se Alcolumbre e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretendiam se valer da investida contra Moraes para conter a ação do STF contra a opacidade das emendas parlamentares, o ministro Flávio Dino resolveu dobrar a aposta. A Corte que começa a votar nesta sexta a decisão liminar de Dino contra as “emendas Pix” foi surpreendida nesta quarta com outra decisão do ministro suspendendo todas as emendas impositivas.
Também na sexta-feira finda o prazo para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, decidir se vai denunciar Bolsonaro pela muamba das joias sauditas. A primeira pressão sobre a PGR veio da dobradinha Centrão/bolsonarismo no TCU que a equiparou ao relógio doado a Lula pelo governo francês. A reportagem da “Folha de S.Paulo” redobra a pressão.
E, finalmente, a ofensiva sobre Moraes se dá numa conjuntura de faxina no Judiciário contra a venda de sentenças envolvendo juízes, desembargadores e até ministros de tribunais superiores, em processos que arrolam próceres do crime organizado. Pelo menos um integrante do STJ já recebeu memorandos em defesa de traficantes das mãos de advogados que foram levados a seu gabinete por parlamentares.
As operações acontecem em momento de acirrada divisão do STF. A trinca formada por Moraes, Dino e Gilmar Mendes enfrenta Nunes Marques, nomeado por Bolsonaro, na indicação para as vagas de tribunais. Em abril, Nunes Marques mandou tirar a tornozeleira eletrônica de Rogério Andrade, acusado de chefiar a organização criminosa do jogo do bicho no Rio.
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