quinta-feira, 22 de agosto de 2024

‘O calor consome, a secura arde e o ar sujo sufoca’

"Passei a última semana no Rio de Janeiro sentindo o cheiro dos incêndios do Pantanal. Não estava mais no Mato Grosso do Sul, para onde viajei a trabalho no início do mês. Mas o odor das cinzas persistia nos meus cabelos, roupas, botas, mochila, por mais que os lavasse.

O calor consome, a secura arde e o ar sujo sufoca. Os incêndios florestais são uma penosa materialização do conceito de saúde única, que mostra não haver bem-estar humano se não há equilíbrio ambiental.


Os dados de satélite deixaram evidente que boa parte dos brasileiros respira a fumaça vinda dos gigantescos incêndios do Pantanal e da Amazônia. Ela chega ao Sul e ao Sudeste pelos mesmos canais atmosféricos que antes levavam umidade, isto é, os rios voadores, que agora são rios de fumaça. Nas regiões Norte e no Centro-Oeste, origem do fogo, a ameaça para a saúde é muito maior. Para aqueles na zona quente afetada, o impacto é direto.

E se você, como eu, for embora, o efeito dos grandes incêndios florestais continuará a lhe perseguir. Não é apenas a lembrança da devastação que assombra. Nariz e garganta ficam irritados. A fumaça carrega particulados (PM2.5 e PM10), que podem ser inalados e comprometem a saúde.

O cheiro de queimado fica impregnado. Lavei os cabelos todos os dias após o trabalho de campo em áreas incendiadas. Não saiu. E só desapareceu alguns dias após o retorno ao Rio.

Isso acontece porque o odor de queimado é resultado de uma combinação complexa de compostos químicos cozidos em fogo alto. A receita inclui hidrocarbonetos aromáticos e outras substâncias químicas produzidas pela queima da vegetação e dos animais calcinados.

A lista de substâncias é grande e mal cheirosa. Tem aldeídos e cetona, todos com cheiro forte e irritante. Há ácidos orgânicos, como o acético; e fenóis, igualmente desagradáveis. Esses compostos se ligam às fibras e minúsculas tramas de variados tipos de tecidos e materiais. Os cabelos são porosos e também os absorvem.

Meu incômodo não tem relevância, mas exemplifica a dimensão do alcance desses eventos. E ela é amplificada para quem enfrenta o fogo e mora no Pantanal ou na Amazônia. Passa de mal-estar a problema de saúde.

Em três décadas de jornalismo, já cobri numerosos incêndios florestais Brasil afora. Eram eventos extremos sazonais, mas estão cada vez mais frequentes, maiores e intensos. E são incêndios que, segundo modelos climáticos, só tendem a se agravar, caso o ser humano não faça a sua parte. Já temos problemas demais de saúde e de qualidade de vida, não precisamos acrescentar mais um, as consequências do fogo, à longa lista."

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