Uma delas é a mutação na consciência cívica e social. À primeira vista, uma saturação baixa dos discursos e valores liberais, portanto, má circulação do oxigênio democrático. Perspectiva talvez razoável para a sociologia das formas de vida, mas não explica a contaminação do fenômeno pelo espírito regressivo da ultradireita.
No entanto, esse é o espírito de ressentimento e ódio, acionado pelo "fogo das paixões perversas, ou seja, aqueles extremos carregados de afeto, dos quais a natureza humana é capaz, mas que, no cotidiano, são repudiados, reprimidos, escondidos ou, acima de tudo, inconscientes" (C.G. Jung em "Um mito moderno sobre coisas vistas no céu"). Nesta linha explicativa, o pensador combina mito e arte interpretativa.
Uma antiga afirmação alquímica, "o que a natureza deixa incompleto, é completado pela arte", foi bem acolhida por pensadores influentes do século passado. Arte, em sentido amplíssimo, como abordagem de situações inapreensíveis pela linguagem racional. Donde a produção de imagens e narrativas que sempre couberam nas mitologias.
Assim, o bisão branco, evento sagrado para povos originários, revelaria que algo de bom ou de mau acontecerá numa mudança significativa, para a qual os seres humanos deveriam se preparar. Do imaginário à história, há um salto metafórico possível. No aspecto negativo, a mudança é portal para aqueles que se alimentam da ignorância dos outros, por meio da mentira e do aceno a um passado tóxico.
Imaginariamente, seriam metamorfos: nos contos nórdicos, seres mitológicos capazes de se transformar em outras pessoas, devoradores de formas vitais de existência. Dele há variações tenebrosas, como a do "devorador do luto", que se alimenta do sofrimento dos indivíduos. Na história, gente como Hitler, Stálin, Putin.
Mito é o fundo duplo da história. Estaria nesse viés de mutação mental a raiz do fundamentalismo religioso e político, que captura comunidades carentes e sujeitos de miséria afetiva. Isso que advém como negação da realidade e indiferença às verdades. Ante a debilidade do discurso progressista, a consciência permeável à mutação abre-se a extremos perversos como Trump, Putin e réplicas. Na coligação do capital necrofílico com a tecnologia, as profecias suscitam a indagação sobre se os humanos não estariam de novo a bordo de um Titanic.
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