A lista das exclusões é inesgotável, porque o sistema gira em torno de si mesmo, e não de projetos capazes de promover avanços. Todos os governos que testemunhei tocaram nos mesmos problemas — Previdência, aposentadorias, filhotismo político, pobreza, ajuste de contas públicas, “verdade cambial”, como vituperava um surtado Jânio Quadros, e, sobretudo, a chaga das nossas governanças: uma perene corrupção. Assaltos à coisa pública tanto à direita quanto à esquerda porque, conforme me disse um amigo realista, “ninguém, Roberto, é de ferro!”.
Em suma, é a velha “socio-lógica” dos sistemas patrimonialistas dramatizados por Giuseppe Lampedusa no conhecido “tudo muda para não mudar”.
Mudar, romper com um intragável populismo e inaugurar novos estilos de administrar implicam impessoalidade, em respeito aos mesmos códigos. Coisa difícil num país que experimentou todos os regimes políticos e teve nove moedas que exprimiam os diversos pesos de uma desigualdade que aristocratiza os eleitos pelo povo. Pessoas que se candidatam como Zé Ninguém e, eleitas, moram em palácios e têm uma vassalagem de Versalhes. É claro que odeiam o capitalismo, que, a todo momento, inventa um troço que desbanca outro troço, acachapando marcas e empresas estabelecidas.
A raiva não é com o sistema, mas com o fluxo dinâmico do mercado, esse espaço universal da oferta e procura ou, como disse E.B. Tylor, do casar fora ou guerrear. No caso do Brasil, liquidar o adversário que nosso selvagem realismo político transforma em inimigo ou bandido. Nessa dialética de aversões ideologicamente legitimadas, esquecemos o Brasil.
Abominando a competição, muitos temem o diabólico capitalismo e abraçam o bom e velho patrimonialismo, que, obviamente, a suprime. Nele, tudo é pessoalidade. Exceção e armação. O maior temor do sistema é a universalidade e a igualdade que democratizam e fazem de todos donos do patrimônio nacional.
É curioso e patético ver uma multidão de privilegiados transformando o republicanismo na velha aristocracia luso-nacional das cidadanias reguladas, como disse um saudoso Wanderley Guilherme. Tudo regulado, tudo hierarquizado, logo, tudo legislado, tudo controlado, certo e bom — “legal”!
Papai só toma café sem açúcar, o presidente elegantemente anuncia não ser idoso porque tem “tesão de 20”. Eu, com meus 80 e tantos, invejo. Ademais, ele é o supremo magistrado da nação, e eu um cronista marginal...
Tome ciência. Na terra dos papagaios, o universal é para os comuns. Os “eleitos” têm lugares reservados. Odeiam-se a universalidade e a igualdade das regras gerais que hoje chegam ao futebol. Este atraía, conforme escrevi, precisamente porque todos eram iguais perante as regras.
Sugiro que um dos pontos a discutir seriamente não é o mercado, mas nossa mentalidade antimercado. Mentalidade que, até o Real, promovia uma pandemia de dinheiros que dependiam de seus emissores ou das trocas em curso. Eram várias línguas faladas ao mesmo tempo, como na Torre de Babel, esse exemplo bíblico de inflação.
Inflação, vale lembrar, é um “inchamento” que embaraça limites e bloqueia a ancoragem sem a qual, nós, humanos, não seríamos capazes de sobreviver.
O melhor caso dessas inchações ocorreu quando quase liquidamos a moeda em sua universalidade e irredutibilidade como medida de valor. Normalmente barganhamos preços, mas não moedas, como ocorreu na fase inflacionária, seguindo o inchaço de uma estrutura social em que cada grupo e pessoa recebe um tratamento especial. Um tratamento determinado pela maior ou menor graduação nas regalias, anistias e proximidades com um poder centralizado e aristocrático, legado do traslado da velha Corte portuguesa para a Colônia.
P.S.: a tentativa de assassinar Trump é um daqueles inesperados que esperamos quando o bandido vira vítima. Seria um sinal da tal “brasilianização”?
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