O analista político Merval Pereira saiu imediatamente para tranquilizar as forças progressistas. Segundo ele, os resultados “não significam que a União Europeia esteja à beira de ser dominada pela direita nem que o mundo esteja a caminhar inexoravelmente nessa direção”. Ele não nega, porém, que o resultado “poderá ter consequências no Brasil, que desde 2018 é palco de uma disputa entre esquerda e direita, representando um retrocesso político com graves consequências”.
O eco que hoje ressoa novamente no Brasil, no sentido de que durante a ditadura as pessoas viviam melhor e com maior segurança, me fez lembrar – e o terá feito naqueles como eu que viveram a grave Guerra Civil e os 40 anos de obscurantismo franquista – que o que ressoa é a sombria litania de que “com Franco as pessoas viviam melhor”. É repetido por quem não sofreu as violências e os horrores daquela ditadura que parece querer ressuscitar.
Não, com Francisco Franco as coisas eram sempre piores porque os sinos do medo e da obediência ao regime tocavam à custa da própria vida. Numa folha de papel que foi entregue ao generalíssimo junto com a xícara de café depois do almoço, estavam os nomes dos que seriam mortos e Franco se divertiu desenhando uma flor ao lado de cada um dos condenados à morte. Ironia terrível!
Foi violência com tons macabros de vingança. Lembro-me que um amigo meu, advogado de Madrid, me disse com horror que lhe telefonaram para o caso de querer participar naquela manhã da tortura do homem que tinha sido seu amigo e depois se distanciaram. Eles lhe deram a entender que ele teve a oportunidade de se vingar participando pessoalmente do rito de tortura de seu ex-amigo.
Talvez por essas lembranças e outras que prefiro não reviver, sinto um arrepio ao ouvir hoje que a vida era melhor com Franco. E não se trata de discutir se uma direita democrática é melhor para a própria democracia do que uma esquerda corrupta. O que não há dúvida é que a liberdade, de expressão e de pensamento, será sempre melhor que a ditadura de qualquer cor.
Às vezes, aqui no Brasil, jovens jornalistas que conhecem minha longa trajetória jornalística me perguntam como era a vida na Espanha na época do líder, abençoado até pelo Vaticano com os privilégios concedidos àquele regime de terror que se apresentava como campeão do catolicismo.
Hoje vou contar-vos uma anedota que vivi em Madrid, quando em 1966 o regime de Franco convocou um referendo sobre o regime para comemorar os 25 anos da Guerra Civil. O plebiscito obteve naturalmente 95,90% de apoio ao líder. Foi então que vivi um momento de preocupação com a polícia franquista. Eu vim da Itália. Nesse ano, o toureiro El Viti ganhou o prêmio anual e fui convidado a entregar-lhe o prêmio no tradicional jantar desse evento em Madrid. Pediram-me para dizer duas palavras ao entregar-lhe o troféu. Por toda a cidade, os cartazes gigantes de “25 anos de paz” chamaram a atenção.
Contei aos presentes naquele jantar que encontrei uma cidade coberta de cartazes que diziam: “25 anos de paz”, mas que o importante é que foram “25 anos de paz” e não da ordem”. Quando saí do jantar, dois policiais estavam me esperando à porta. Eles queriam que eu explicasse melhor o que eu disse. Tentei explicar-lhes a diferença entre ordem e paz, que a ordem se impõe com a força e a paz se consegue com a liberdade. Eles olharam para mim como se eu fosse um marciano. Um dos policiais me disse para ser mais claro: “Eu quis dizer que enquanto a paz se consegue com a liberdade, a ordem se impõe com a força”. Eles não devem ter entendido. Perguntaram-me o que fiz em Roma. Eu disse que estudei filosofia. Os dois policiais se entreolharam e me soltaram.
Hoje, a diferença entre paz e ordem permanece viva como duas categorias que definem a existência e explicam em parte a turbulência política no mundo entre esquerda e direita, que lutam para competir. É verdade, talvez, que no tempo de Franco as pessoas saíam às ruas sem medo até ao amanhecer. A ordem estava garantida. A punição para quem tentasse quebrá-la era paga com tortura e fuzilamentos sumários.
É verdade que hoje o ressurgimento da extrema direita se deve em parte ao fato de a democracia ter adormecido um pouco e relegado para segundo plano o problema da violência que assola o mundo e da qual essa extrema direita, a da sua paixão por armas, dá origem a novas tentações de impor a ordem à custa do sacrifício da paz.
Apesar de toda a turbulência política que abala perigosamente o mundo como um todo, tal como quando eu era ainda jovem, continuo a acreditar que a paz só pode ser construída com o diálogo e a colaboração entre as pessoas e não com os demônios do medo e da violência.
Não! Com Franco as pessoas viviam pior, com maior violência, com mais fome e sem horizontes de esperança de poder saborear os frutos maduros da liberdade.
Juan Arias
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