Análises corajosas, sem concessões, podem, sem dúvida, levar a uma tomada de consciência. Sem dúvida, mesmo? Nossa sociedade, tão marcadamente desigual, inclusive no recebimento de informações já processadas e com todo o dolo da desvirtuação, está mesmo pronta a entender o que seja uma ação civilizatória, que independa de critérios ditos religiosos, e que arbitrem sobre preceitos médicos ou de decisões pessoais? Sem dúvida há que se atentar para não generalizar, porquanto não se pode atribuir a uma suposta vontade de apenas um único credo, como se este fosse homogêneo em sua opinião e certezas. Sabemos que não é assim.
Enquete muito recente sobre esse projeto de lei, revela que 88% dos que se manifestaram, são contrários a ele. Porém, será que essa reação é capaz de desconstruir a volúpia dos que querem criar mais um fato satânico de atraso, com tantas mazelas e problemas que o país tem a resolver, e ações educadoras a implementar, sobretudo para proteger os mais vulneráveis? Consola-nos o coro harmônico composto pela homilia do padre Júlio Lancelotti, em prol de nossas meninas e mulheres, os textos de há dois dias, seminais e transbordando de sensibilidade, das jornalistas Dorrit Harazin e Miriam Leitão, e o do médico Daniel Becker, de par com o estranhamento que contamina saudavelmente o nosso inconsciente coletivo de que há algo errado em pauta, e que não podemos ser apenas expectadores de tantos desatinos.
Pensar que a tudo isso se somam outros dados catastróficos na educação dessa mesma geração que é vítima, em particular a que mais sofre violência, com ensino básico que não provê mais do que uma alfabetização funcional, a impedir irremediavelmente mecanismos críticos de defesa; somado à recente abertura de escolas médicas em profusão, sem critério algum de qualidade ou compromisso com a saúde do país, e suas prioridades, fato aceito passivamente como um bom negócio para ganhar dinheiro, torna nosso exercício cotidiano de resiliência mais robusto, salvo nos que sucumbem à inércia, embriagados dela mesmo, com queixumes permanentes de fatalidade.
Vivemos esse agudo momento (ao tempo que nos indagamos se ele é apenas uma exacerbação mórbida de um mal crônico que assola nossa realidade brasileira) no qual até a bioética, como ciência, tem que se esforçar para não se enganar com ela mesmo, balançando entre seus limites, e nos obrigando a levantar questões do verdadeiro sentido da vida, de modo permanente.
Como nossa preocupação essencial é fazer pelo outro além de fazer por nós mesmos (como pôr a máscara do avião antes em nós mesmos para que possamos auxiliar o outro), é natural que nos sintamos decepcionados com o pouco que temos podido fazer para modificar o real concreto, ou ao menos penetrar, com a racionalidade que deve nos nutrir e guiar, nesse imaginário complexo e fascinante de nossa gente, para não perder a aventura de sonhar e alcançar dias mais humanos.
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