quinta-feira, 13 de junho de 2024

Design viciante: por que a UE quer limitar seu uso

As estratégias para capturar a atenção do usuário o máximo de tempo possível usadas por plataformas de redes sociais e outros aplicativos estão no radar de membros do Parlamento Europeu. A ideia é tratar o vício digital – em alta, principalmente entre os mais jovens – como é feito com bebidas alcóolicas, drogas, tabaco ou jogo.

A comissão de proteção ao consumidor da casa elaborou uma resolução contra "design viciante de serviços online", que propõe uma regulação específica para conter práticas que levam à dependência em redes sociais. O texto foi aprovado em dezembro por ampla maioria dos eurodeputados em plenário – 545 votos a favor, 12 contra e 61 abstenções.

Está na categoria de "design viciante" mecanismos como a possibilidade de rolagem infinita do feed de notícias, notificações, flashes de conteúdos relevantes que são ocultados quando o feed é recarregado, reproduções automáticas de vídeos e sequências de conteúdos sugeridos. Recursos como esses jogam com a perda de autocontrole das pessoas, segundo estudos usados como referência no relatório.

"Definimos regras para as máquinas caça-níqueis, mas cada vez que abrimos nosso aplicativo, rolamos para baixo ou atualizamos nossas redes sociais, a mesma coisa acontece em nossos cérebros", disse a líder da iniciativa, a eurodeputada verde Kim van Sparrentak, no dia da votação.


Esse é mais um capítulo do debate sobre a proteção ao consumidor e o uso de redes sociais na Europa, que serve de referência para as discussões sobre direitos digitais no mundo, inclusive no Brasil.

Em dezembro de 2020, por exemplo, a União Europeia aprovou a Lei dos Serviços Digitais (DSA) e a Lei do Mercado Digital. Essa legislação é considerada referência por tratar do modelo de negócio dessas empresas e da garantia de direitos dos consumidores, e não somente da mediação e remoção de conteúdo. Com isso, espera-se criar um espaço digital mais seguro que coíbe a disseminação de desinformação e de conteúdos de ódio.

Essas regulamentações serviram de referência para a elaboração do projeto de lei contra as fake news no Brasil, que foi paralisado recentemente no Congresso Nacional e espera, agora, a convocação de grupos de trabalho para novas rodadas de discussão.

No entanto, a questão do design viciante não é devidamente contemplada nessa legislação, por isso eurodeputados envolvidos com o tema entendem que é necessário dar um passo além e regular especificamente os dispositivos que "grudam" o usuário na tela.

A dúvida agora é se o aumento de eurodeputados da ultradireita, que foram eleitos recentemente para o Parlamento Europeu, pode alterar a disposição da casa em votar a favor dessas regras.

Partidos de ultradireita como a Alternativa para a Alemanha (AfD) são contrários a regulação do ambiente digital e se valem justamente de recursos presentes em plataformas como TikTok para engajar eleitores, sobretudo jovens. O partido, que tem uma postura contrária a temas como imigração e possui membros que relativizaram o Holocausto, foi o segundo mais votado na Alemanha nestas eleições europeias, avançando sobretudo no eleitorado com menos de 24 anos.

O tema do design viciante está ausente ainda em todos os códigos de conduta das big techs, explica Bruna Santos, gerente de campanhas global da organização Digital Action, com atuação na Alemanha. "As técnicas que as plataformas usam para engajar não mudaram mesmo com novas políticas. O que se quer agora é pedir que as plataformas desliguem algumas 'features', algumas características que puxam mais a atenção do usuário."

No Brasil, um outro relatório acendeu o debate sobre o design viciante das redes sociais. Em 14 de maio, a Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado realizou uma audiência pública sobre a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. Foi apresentado um estudo minimizando o efeito viciante de plataformas, no qual é dito que a exposição à tela é "apenas um entre 15 fatores que influenciam a saúde mental de crianças e adolescentes nas redes sociais".

De acordo com reportagem do site Intercept Brasil, o estudo foi conduzido por uma organização chamada Conselho Digital, que é basicamente bancada por big techs para fazer lobby contra a regulação de seus negócios.

Não faltam evidências no mundo do potencial danoso à saúde da exposição às telas e de como o vício digital é um problema crescente de saúde pública.

Em relatório publicado em 2023, o U.S. Surgeon General, autoridade ligada ao Departamento de Saúde dos Estados Unidos, alertou que adolescentes que passam mais de três horas por dia nas redes sociais estão duas vezes mais propensos a terem problemas de saúde mental, incluindo sintomas de depressão e ansiedade.

A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que crianças: menores de 2 anos de idade não devem ser expostas a telas; entre 2 e 5 anos devem ter o tempo de tela limitado a, no máximo, uma hora por dia; entre 6 e 10 anos devem utilizar telas por até duas horas diárias; entre 11 e 18 anos não devem ultrapassar três horas de tela por dia.

De acordo com o relatório do Parlamento Europeu, jovens de 16 a 24 anos passam, em média, mais de sete horas por dia na internet.

Para atrair a atenção – não só dos mais jovens –, plataformas lançam mão de técnicas de "gamificação" – ou seja, usam uma mecânica de jogos para recompensar a conclusão de tarefas e dar aos usuários a ilusão de escolha e controle, enquanto são submetidos a uma linha do tempo deliberadamente selecionada. Isso provoca efeitos químicos no cérebro iguais aos do vício em jogo, como a liberação rápida de dopamina.

"As características de design viciante estão frequentemente vinculadas a padrões psicossociais que se baseiam nas necessidades, vulnerabilidades e desejos psicológicos dos consumidores, como pertencimento social, ansiedade social, medo de ficar de fora", diz o relatório.

O texto destaca que o sucesso comercial de plataformas digitais e o desenvolvimento de um design mais ético não são mutuamente excludentes.

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