sábado, 21 de outubro de 2023

O radicalismo mata a paz

Nada justifica a barbárie e o massacre selvagem de cidadãos israelitas. Israel tem, por isso, direito à autodefesa. Mas nada legitima uma resposta desproporcional e à margem das leis da guerra. Porque, de um lado e de outro da fronteira, as vítimas são sempre as mesmas: civis inocentes e indefesos. Foi a isto que nos conduziu a vitória do radicalismo sobre a moderação na política interna de Israel e da Palestina e, como consequência, a vitória do conflito sobre a diplomacia nas relações israelo-palestinianas. Que o mesmo é dizer a vitória da guerra sobre a paz.

Vamos por partes. Houve um tempo em que havia estadistas à frente das duas partes. Estadistas que carregavam em si o peso e a legitimidade política e militar das guerras passadas ao serviço das suas causas, mas que, independentemente da razão histórica de cada um, tiveram a visão estratégica e a coragem política de perceber que o futuro dos seus povos passava pela paz. E em 1993, sob a mediação de Bill Clinton, Yasser Arafat, líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP) e Yitzhak Rabin, primeiro-ministro israelita, assinaram os chamados Acordos de Oslo.

O processo de paz assentava numa solução política de dois Estados: a OLP reconhecia pela primeira vez o Estado de Israel; e, por sua vez, Israel reconhecia a OLP como representante legítima do povo palestiniano e comprometia-se com a criação de um Estado palestiniano. Foi um compromisso histórico. Mas deixou para negociações futuras questões-chave que vinham desde a fundação do Estado de Israel: o regresso dos refugiados; as fronteiras do Estado palestiniano; a questão dos colonatos; e o estatuto de Jerusalém.


Do lado israelita como do lado palestiniano, as elites moderadas e laicas e a maioria da opinião pública acreditaram que era possível a solução dos dois Estados, queriam de facto a paz e lutaram por ela. Mas, imediatamente, de ambos os lados, os radicais começaram a manifestar a sua oposição: opunham-se à solução dos dois Estados porque não queriam reconhecer o direito do outro a ter um Estado; e por isso não queriam a paz e fizeram tudo para a boicotar. Do lado israelita, o momento simbólico foi o assassinato de Yitzhak Rabin, às mãos de um judeu ultranacionalista, em 1995. Do lado palestiniano, depois da provocação de Ariel Sharon, líder da oposição em Israel, se ter passeado junto à mesquita de Al-Aqsa, lugar santo para os muçulmanos e interdito aos judeus, o início da segunda intifada, em 2000.

O processo de paz e a solução dos dois Estados foram-se apagando e a desilusão foi crescendo na opinião pública. Os governos de Netanyahu, em Israel, e a vitória do Hamas, na faixa de Gaza, fizeram o resto.

Netanyahu sacrificou sempre o interesse nacional à sua sobrevivência política. Para se manter no poder aliou-se à extrema-direita religiosa, ortodoxa e ultranacionalista. Recorreu ao populismo para atacar os fundamentos básicos do Estado de direito israelita. E ao ultranacionalismo para expandir, como nenhum outro, os colonatos nos territórios ocupados na Cisjordânia. Favoreceu o Hamas para enfraquecer a Autoridade Palestiniana. Isto é, fez o que podia e o que não podia para inviabilizar o Estado palestiniano e instaurar uma pax israelita. Isto é, para minar a solução dos dois Estados e a possibilidade da paz.

O Hamas, no poder em Gaza desde 2006, cultiva o islamismo integrista como ideologia e o terrorismo como método. Usa e abusa das suas populações. Não reconhece sequer o Estado de Israel e faz tudo para matar a paz e provocar a guerra. É a sua forma de vida.

A guerra, a destruição e a morte é o destino a que nos leva a radicalização, triunfante de ambos os lados. Mas é preciso que saibamos que há outro caminho. E no fim da tragédia é preciso tirar as lições: superar os radicalismos político e religioso e dar uma oportunidade às oposições laicas e moderadas, israelita e palestiniana. Em Israel, responsabilizar Netanyahu pela incompetência que permitiu a quebra de segurança e o massacre. E dar uma oportunidade a uma nova geração democrática e livre do messianismo religioso e do populismo político. Na Palestina, desmantelar a estrutura militar do Hamas e devolver Gaza a uma nova geração da Autoridade Palestiniana, democrática e livre da corrupção.

A ONU terá, certamente, um papel a desempenhar. Mas o essencial é dar uma nova oportunidade à moderação política e à solução dos dois Estados, o único caminho para a paz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário