domingo, 15 de outubro de 2023

Desordem mundial

Os tempos de paz foram, porventura, uma ilusão. Até porque ao longo das décadas em que pensávamos estar a viver em paz, nunca deixaram de existir guerras, conflitos escondidos e ataques desmesurados aos direitos humanos. Havia, no entanto, uma diferença fundamental em relação ao que se observa agora: apesar de as armas nunca se terem calado, a esmagadora maioria dos líderes mundiais continuava, em público, a falar da necessidade de pacificação mundial. Por isso, em busca de reconhecimento ou de uma glória efémera, desdobravam-se em conversações e em tentativas de acordos de paz – com a fotografia da assinatura a ficar guardada para a posteridade. Havia vergonha em apelar à guerra. Havia…

Os tempos mudaram. Em especial desde a retirada das tropas americanas e dos seus aliados no Afeganistão – o momento em que foi anunciado, com estrondo, o fim da chamada pax americana, em que vivíamos desde o final da Guerra Fria. Desde então, ficou livre o caminho para a criação de novas esferas de influência, em que vários atores procuram ganhar poder regional ou até reconhecimento mundial.


Agora, há ataques contínuos e cada vez mais explícitos à ordem internacional saída dos escombros da II Guerra Mundial. Não há zona do globo onde não se registem tensões e um escalar de conflitos que acabam por ter implicações em todo o mundo.

O que está a ocorrer no Médio Oriente é bem o exemplo desta nova desordem mundial, em que mergulhámos, de forma desprevenida, mas com consequências dramáticas, como sucede em todas as guerras. Aquela que foi uma das regiões mais martirizadas do globo nas últimas décadas parecia estar a caminhar, segundo uma visão superficial, para uma certa normalidade. Havia aproximações entre a Arábia Saudita e Israel, percebiam-se as tentativas de alguma parte do bloco ocidental para criar pontes com o Irão, apesar de o regime continuar a desenvolver o seu plano nuclear e a persistir na repressão dos direitos humanos. Afinal, era tudo uma ilusão. Os últimos dias demonstraram que organizações como o Hamas – mas também o Hezbollah – têm o poder para mergulhar a região no caos. E, mais uma vez, ficou demonstrado que os discursos de líderes autoritários e populistas, como Benjamin Nethanyau, sempre a insistir na tecla da segurança, são afinal ilusórios perante a realidade. Só isso explica que aqueles que eram considerados os melhores serviços secretos do mundo tenham sido apanhados completamente desprevenidos perante o ataque assassino perpetrado pelo Hamas, que visou diretamente a população civil de Israel.

Duma forma ou doutra, esta ação terrorista do Hamas não deixa de ser inspirada na invasão da Ucrânia pelas tropas de Vladimir Putin, outro momento fundador desta nova desordem mundial. E cujas consequências estão a alastrar pela zona europeia, com uma escalada preocupante no conflito adormecido entre a Sérvia e o Kosovo, nos Balcãs, mas também a servir de “combustível”, mesmo que indireto, para a tentativa do Azerbaijão de controlar o enclave de Nagorno-Karabakh na Arménia, que já provocou dezenas de milhares de refugiados.

Em África, por seu lado, sucedem-se os golpes militares na região do Sahel, criando um efeito de contágio que ameaça alastrar a outros pontos do continente, onde o combate à violência jihadista é aproveitado pela Rússia, através do grupo Wagner, para ganhar novos aliados. E, para cúmulo de tudo, nos EUA assistimos, atualmente, a um descontrolo total nas estruturas do poder, por causa da deriva extremista que está a tomar conta do Partido Republicano e, com isso, a paralisar o normal funcionamento das instituições da maior potência mundial. Quem beneficia, afinal, desta desordem? A resposta, infelizmente, ainda vai demorar a ser encontrada.

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